Analisando as raízes históricas e as dinâmicas de poder do bullying e ciberbullying, este texto destaca a necessidade de uma abordagem estrutural para combater essas práticas abusivas.
Por Carlos Seabra – de Brasília
Desde priscas eras, as relações de ameaça, perseguição, assédio e intimidação ocorrem entre indivíduos, entre grupos, entre classes. Na maioria das vezes, com interesses econômicos exploratórios, objetivando acúmulo de riqueza e poder.
De origem inglesa, desde o século passado, a palavra “bully” passou a designar alguém que assedia, intimida ou aterroriza outros, especialmente em contextos escolares. O mundo digital nos agregou o “ciber”, palavra de origem grega para controle e direção que inspirou o termo “cybernetics”, introduzido pelo matemático e filósofo norte-americano Norbert Wiener, em 1948, em seu livro Cibernética: ou o controle e comunicação no animal e na máquina (em inglês, Cybernetics: Or Control and Communication in the Animal and the Machine).
Nasce aí o atual “ciberbullying”, que é a prática de intimidação, assédio ou humilhação de uma pessoa ou grupo, utilizando meios digitais, como redes sociais, mensagens de texto, e-mails e outras plataformas online, em geral de forma repetitiva e intencional.
O bullying tradicional sempre esteve presente na sociedade, manifestando-se em escolas, locais de trabalho e outros ambientes sociais. No contexto escolar, onde o termo tem ganho notoriedade, os agressores usam a intimidação para estabelecer poder e controle sobre suas vítimas. Com a digitalização crescente, essa dinâmica de poder se transferiu para o mundo virtual, dando origem ao ciberbullying. Diferente da intimidação convencional, a versão digital tem a capacidade de alcançar a vítima em qualquer lugar e a qualquer momento, ampliando seu impacto psicológico e social.
Mas o ciberbullying não é apenas um problema de comportamento individual; ele reflete e se alimenta de estruturas maiores de poder e lucro. Plataformas digitais e redes sociais, que são os principais meios de disseminação do ciberbullying, muitas vezes lucram com o engajamento gerado por conteúdos polêmicos e divisivos. Em uma era onde a quantidade de informação disponível é vastamente superior à capacidade humana de consumi-la, a atenção dos usuários torna-se uma mercadoria valiosa. Essa “economia da atenção”, visa maximizar o tempo que os usuários passam online e incentiva comportamentos que aumentam a visibilidade, sejam estes prejudiciais ou não.
Para combater o bullying de forma eficaz, é necessário ir além das intervenções escolares, com sindicatos, partidos políticos e organizações sociais devendo se envolver ativamente na criação de políticas e campanhas de conscientização. São necessárias ações e programas de apoio aos trabalhadores que sofrem assédios e intimidações no ambiente de trabalho, bem como a promoção de legislação mais rigorosa para responsabilizar plataformas digitais e proteger vítimas do impacto das ameaças, que podem ter consequências devastadoras, incluindo ansiedade, depressão e, em casos extremos, pensamentos suicidas.
Podemos comparar o bullying com as acusações de bruxaria na Idade Média e com as atrocidades da Ku Klux Klan para entender as dinâmicas de opressão e perseguição que atravessam diferentes períodos históricos, mostrando como o poder, o controle e a intolerância podem levar a práticas abusivas e desumanas, seja em contextos históricos ou contemporâneos.
Bruxaria na Idade Média
As acusações de bruxaria na Idade Média: Mulheres independentes eram frequentemente acusadas de bruxaria e queimadas vivas. Semelhante ao bullying, as vítimas eram frequentemente alvos vulneráveis, marginalizadas por suas diferenças ou por desafiarem normas sociais. Assim como o bullying pode ser sustentado por uma cultura escolar ou social que tolera o comportamento abusivo, as acusações de bruxaria eram sancionadas por instituições religiosas e legais, que legitimavam a perseguição e a violência.
As atrocidades da Ku Klux Klan: As barbaridades cometidas pela Ku Klux Klan contra pessoas negras eram motivadas por racismo e ódio, similar ao bullying, que frequentemente se baseia em preconceitos contra características pessoais ou grupais. Tanto o bullying quanto as ações da KKK envolvem violência e intimidação para controlar e oprimir as vítimas. Incluindo violência física e psicológica, a organização supremacista usava linchamentos, espancamentos e outras formas brutais de violência para manter a supremacia racial.
O ciberbullying, assim como o bullying tradicional, é uma manifestação de dinâmicas de poder que atravessam diferentes contextos sociais e econômicos. Abordar esta questão de forma estrutural exige a participação ativa dos governos e da sociedade como um todo. Somente através de uma abordagem integrada poderemos criar um ambiente digital onde todos possam interagir de forma segura respeitando os valores civilizatórios.
Carlos Seabra, é diretor da Oficina Digital, criador de jogos de tabuleiro e digitais, autor de livros de literatura infantil e juvenil. Editor de publicações e produtor de conteúdos culturais e educacionais de multimídia e internet, palestrante, consultor e coordenador de projetos culturais e de tecnologia educacional.
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