O fenômeno DeepSeek, que abalou o mercado das gigantes de tecnologia no final de janeiro, é uma prova de que o país está bem posicionado na briga e pode ainda apresentar surpresas em um mundo onde todos os olhos estavam voltados para empresas do ocidente.
Por Redação, com OESP – de Pequim
A China tem apresentado modelos de inteligência artificial (IA) potentes, baratos e superiores aos americanos há alguns meses, desde que foi obrigada a desenvolver a tecnologia integralmente, graças às restrições americanas.

O fenômeno DeepSeek, que abalou o mercado das gigantes de tecnologia no final de janeiro, é uma prova de que o país está bem posicionado na briga e pode ainda apresentar surpresas em um mundo onde todos os olhos estavam voltados para empresas do ocidente.
Então, o que mais as empresas chinesas devem aprontar? Antes de analisar o futuro, um passo atrás: ainda que a DeepSeek tenha chamado há apenas alguns dias, o país já podia ser associado aos modelos de chatbots.
Um exemplo é o Qwen, criado pela gigante Alibaba Cloud, empresa “irmã” do AliExpress, que em 2024 superou os concorrentes americanos ChatGPT e Gemini ao apresentar um modelo de código aberto treinado com o dobro de tokens – ou unidades básicas de texto, do que a versão mais cara do modelo da OpenAI. Semanas depois, a própria Alibaba Cloud se superou e lançou o Qwen 2.5 Max, um dia após a DeepSeek derrubar as ações das gigantes do Vale do Silício.
Na segunda-feira, o que aconteceu na bolsa de Nova York foi apelidado pela referência histórica do Vale, Marc Andreessen como “o momento Sputnik da inteligência artificial”. Ele sabe que as empresas chinesas já dão sinais de que a guerra pela IA vai ser dura entre as duas potências. Andreessen – e todos os envolvidos no ramo da tecnologia – também estimam os bilhões de dólares que as empresas e o governo americano vão gastar.
O caminho até a DeepSeek conseguir desenvolver seu modelo “barato” passou por analisar o que já tinha disponível no mercado. E mesmo sob acusações de extrair dados de forma ilegal da OpenAI, a companhia chinesa se defende com a tese de que só usou informações de outros modelos abertos.
Se confirmado que a DeepSeek tenha se inspirado apenas em modelos abertos, é possível afirmar que a empresa devolveu a cortesia por também disponibilizar seu código fonte sem custos.
– A grande mudança que a gente vai ver a partir de agora por causa do DeepSeek é que finalmente ficou acessível para muita empresa [desenvolver um modelo de IA] – explica Amaral.
Desafios
Mas como ter esse desenvolvimento em um ambiente onde a principal tecnologia foi proibida? Yi Shin Tang, professor de relações internacionais da USP, explica que as sanções dos EUA já eram previstas por Pequim devido às frequentes acusações de competição desleal, subsídio estatal e roubo de segredos indústrias. Essa miríade de tensões entre os dois países fez com que, nos bastidores, as empresas chinesas já trabalhassem para desenvolver alternativas.
– O fato dessas sanções terem começado a ganhar mais corpo ao longo do último ano não significa que a China já não estava prepara para recebê-las – diz Shin. “Existe todo um trabalho que a China já estava desenvolvendo nos bastidores antes da aplicação dessas medidas. A China tem uma política industrial muito centralizada pelo Estado”.
Por ter o setor industrial na palma da mão, o governo chinês consegue direcionar o que vai ser impulsionado. “No caso dos desenvolvedores chineses, sempre há, direta ou indiretamente, um papel do governo chinês, seja por meio de subsídios, seja por meio de limitações ou orientações de para onde essas inovações têm que ser direcionadas”, explica Shin. “Porque o Estado subsidia e atua diretamente no gerenciamento dessas empresas desenvolvedoras”.
Diante das tentativas de emplacar mais funcionalidades práticas para a inteligência artificial, as companhias da China devem mapear o mercado e também ocupar o espaço do que tem mais apelo. Um caminho para onde as IAs vão é entende-las como um agente pessoal, função explorada também pela OpenAI nos últimos produtos lançados pela empresa.
– Se há uma oportunidade de mercado para a China entrar aqui, eles também vão investir. Como eles sempre fazem para qualquer outro produto, como o automobilístico, biotecnologias, tecnologias verdes – diz Shin. “A China sempre vai atrás das oportunidades que o mundo ocidental já tem explorado”.
Há especulações sobre os próximos usos da IA, como para infraestrutura, segundo Shin. “O que eu vejo talvez como um elemento que a China vai ocupar, mas que ela não está revelando, são tecnologias de inteligência artificial estruturais. Então, as que são utilizadas por grandes indústrias, governos, aplicações militares”, diz.
Não há, no entanto, previsão para um cessar fogo tecnológico entre EUA e China, mas o país asiático tem outros parceiros globais que o colocam em posição de aliado ocasional para o Brasil, parte da Europa e boa parcela da Asia. “Quando a gente pensa sobretudo em países emergentes, o apelo da China como uma alternativa aos Estados Unidos como hegemonia é muito grande”, diz Shin.