Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 2024

Chegada a Valência

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Segunda, 06 de Dezembro de 2004 às 08:25, por: CdB

Mataron a Federico
Cuando la luz asomaba...
Que fue en Granada el crimen
Sabed - ¡pobre Granada! -, en su Granada...

Estas linhas são de poema de Antonio Machado, grande poeta espanhol, e ele as escreveu em Valência, em 17 de novembro de 1936, ao saber da morte de Federico Garcia Lorca, assassinado pelos falangistas de Franco, ao começo da guerra civil espanhola.

Valência é uma cidade mediterrânea. Ela nos recebe - a equipe da Agência Carta Maior, para a cobertura do Fórum Mundial sobre Reforma Agrária, em clima de fim de outono. Frio, pero no demás, céu gris, chuvas picadas e aguaceiros ocasionais. Do aeroporto à cidade, coisas curiosas ressaltam à vista: butiazeiros perfilados, relembrando, nestas terras de Europa, as paisagens brasileiras sulinas, ao lado das tantas palmas locais.

Valência: todas as belezas, crueldades, guerras, violências, pensamentos, conquistas, liberdades de Espanha por aqui passaram, de modo marcante. Valência foi fundada e destruída e refundada várias vezes, desde os romanos, antes de Cristo. Hoje se refunda um renascimento catalão, visto nos cartazes e na língua, por toda a parte, desde os fins da ditadura franquista, ainda no século XX...

Na praça central da cidade estão El Ayuntamiento - quer dizer, a Prefeitura - e o Hotel Londres. No anfiteatro do primeiro realizavam-se as reuniões do governo republicano a partir de novembro de 1936, quando ele se transferiu de Madri para a cidade. No segundo hospedavam-se muitos membros do governo, e ele ficou sendo uma espécie de símbolo do período. É um prédio de esquina, de cor avermelhada, um hotel normal.

Como em outras cidades européias marcadas pelas guerras do século XX, Valência guarda as cicatrizes dos bombardeios contra a população civil. Aqui eles foram aéreos e marítimos. Nos bombardeios aéreos, durante a guerra civil, destacaram-se as operações nazistas (alemãs) e fascistas (italianas). A marca é a de prédios mais novos que imitam o estilo antigo, das casas e construções ao redor que não caíram. São "remendos", construídos numa época em que se procurava ocultar as cicatrizes.

Antes do encontro tive tempo de visitar o Mercado de Valência - um edifício enorme, baixo, recoberto de azulejos, e coberto no seu interior por um exército perfilado de presuntos - os jamones serranos - cuja marcialidade e disciplina são impressionantes, ao lado da invasão odorosa dos queijos, e por uma massa indisciplinada de frutos do mar, de todas as cores e de todas as virtudes e virtualidades, cuja invasão odorosa é absolutamente indisciplinada, relembrando os anarquismos de antanho.

Do lado de fora, ao lado do Mercado, está a única Igreja do mundo, que eu conheça, que é dedicada a dois santos: a Igreja "de los Santos Juanes", "dos Santos Joões"! São os Evangelista e Batista, e a Igreja, cujos primórdios remontam ao século XII, tem as faces externas de diferentes épocas. A mais interessante é a da frente, a mais antiga, com as alturas góticas contrastando com a severidade da fachada românica. Serão o Mercado e a Igreja, com suas tensões e contradições, uma metáfora de Valência e de Espanha? Vá se saber...

Fui também, é claro, ao recinto em que vai se realizar o Fórum. É na Universidade de Valência, na Escola Politécnica, longe do centro, mas perto, no tempo, graças à eficiência dó Metrô, que nos faz pensar no quanto estamos atrasados no Brasil em termos de transporte público, graças à vitualha da opção pelo transporte individual feita durante a ditadura.

A universidade é impressionante, com sua arquitetura ao mesmo tempo massiva e pós-moderna, de vidros reflexos e pouca permeabilidade com o meio ambiente. Essa arquitetura (sinal da universidade?) parece ser um elogio da técnica e de sua possibilidade de tudo prover. Mas em detrimento de uma integração com a natureza, cujo conceito, para nós, se tornou o de uma "reserva". Não simpatizo. Mas o pessoal que nos aguarda

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Edições digital e impressa
 
 

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