Rio de Janeiro, 05 de Dezembro de 2025

Chacina, execuções filmadas e prisão de agentes marcam crise no Rio

Aumento alarmante de confrontos no Rio de Janeiro, com execuções filmadas e prisões de agentes de segurança. Entenda a crise e suas causas.

Sexta, 03 de Outubro de 2025 às 11:39, por: CdB

Instituto Fogo Cruzado registra 50 confrontos na Grande Rio em uma semana, 13,6% a mais que em 2024.

Por Redação, com Agenda do Poder – do Rio de Janeiro

Em uma escalada da violência nos últimos dias, o Rio teve execuções gravadas em plena luz do dia, uma chacina na guerra do crime, PMs mortos e servidores presos acusados de ligação com o Comando Vermelho (CV). Especialistas relacionam o fenômeno à intensificação na disputa por território em áreas dominadas pelo poder paralelo.

Chacina, execuções filmadas e prisão de agentes marcam crise no Rio | Ação policial em 2016 após ataques às UPPs do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, em Copacabana
Ação policial em 2016 após ataques às UPPs do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, em Copacabana

Um levantamento feito pelo Instituto Fogo Cruzado a pedido da Agenda do Poder indica que houve 50 confrontos nos últimos sete dias na Região Metropolitana do Rio, alta de 13,6% em relação ao mesmo período de 2024. Em média, foram sete trocas de tiro por dia. Nesse período, 26 pessoas foram baleadas, média de uma vítima ferida por tiro a cada seis horas. Dessas vítimas, 16 morreram. O total neste ano já é de 1.870 confrontos, deixando 1.204 pessoas baleadas.

O aumento da violência tem causado pânico em meio à guerra entre facções rivais. É o que mostra um vídeo deste o último dia 27 após a visita do ministro da Saúde Alexandre Padilha ao Hospital do Andaraí, Zona Norte do Rio.

Na gravação da janela de um prédio, um criminoso atira à queima-roupa no rosto do rival. Um comparsa se aproxima correndo, com a arma em punho. É possível ouvir outros nove tiros no rosto da vítima. Perto dali, fiéis foram filmados enquanto buscavam proteção em uma igreja. Nas ruas, pessoas foram gravadas correndo em busca de refúgio dos tiros.

Em outra filmagem no mesmo dia na Zona Oeste do Rio, um criminoso é flagrado por uma câmera de segurança descendo do carona de um carro em uma rua movimentada com um fuzil na mão. Ele então se aproxima de um homem que estava em pé junto ao meio-fio e abre fogo. Investigações indicam que o assassinato está relacionado a uma disputa entre milicianos.

A radiografia dos tiroteios

Tiroteios em 2025 – 1.870

Mortos em 2025 – 623

Feridos em 2025 – 581

Tiroteios em setembro – 180

Mortos em setembro – 84

Feridos em setembro – 55

Policiais entre as vítimas

Mas nem todas as mortes foram de confrontos envolvendo apenas criminosos. Na segunda-feira, um PM foi morto ao ser baleado em um confronto contra milicianos em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. No dia seguinte, um vídeo mostrou outro agente sendo baleado ao reagir a uma tentativa de assalto quando estava com a filha no colo, em Nova Iguaçu.

Neste ano, 107 agentes de segurança foram baleados na Região Metropolitana do Rio, segundo o Instituto Fogo Cruzado. A média é de dois baleados a cada cinco dias. Foram 52 mortes.

Sinais de tortura em chacina a mando de líder do CV

Na terça-feira, os corpos de seis homens mortos em uma chacina foram encontrados dentro de um veículo próximo a uma das entradas do Morro Dois Irmãos, Curicica, Zona Sudoeste, em meio a uma disputa entre o CV e a milícia local pelo controle territorial da região.

Os corpos tinham sinais de tortura e tiros nos rostos. A principal hipótese apurada pela Polícia Civil é de que a ordem da chacina teria partido de Edgard Alves de Andrade, o Doca, apontado como um dos líderes do CV.

Na quinta-feira, a Polícia Civil prendeu 12 suspeitos de ligação com o CV no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio. Entre eles, um PM da ativa e um assessor da Prefeitura de Petrópolis, que estariam ligados à expansão da organização criminosa para a Região Serrana do Rio.

‘A cidade dos tiroteios’: o que dizem os especialistas

O sociólogo Ignacio Cano indica para a estabilidade nos dados do Instituto Fogo Cruzado nos últimos dois anos. Mas, ainda assim, alerta para o elevado índice de confrontos e feridos. “A probabilidade de um confronto é relativamente elevada. Nenhum lugar do Rio está plenamente livre disso. Continuamos vivendo na cidade dos tiroteios”, diz.

– O Rio continua sendo um local exposto constantemente a tiroteio. Por um lado, o Estado troca tiro como política pública. Por outro, é uma ferramenta na disputa do controle territorial entre os grupos armados. Isso torna o Rio um lugar perigoso para as pessoas – diz, Ignácio Cano.

O cientista social Robson Rodrigues, que atua como pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da UERJ, atribui os confrontos à ausência do Estado em áreas sob o domínio do tráfico, que busca expandir ainda mais os seus territórios.

O pesquisador, que é coronel da reserva da PM e já chefiou as UPPs, também traça um paralelo entre a realidade do Rio com a de São Paulo, onde há a atuação de apenas uma facção criminosa.

– No Rio, há uma eterna disputa por controle territorial entre grupos criminosos. É preciso que exista um plano de recuperação dessas áreas, hoje nas mãos das facções e das milícias, que buscam expandir a sua área de atuação para lucrar mais com essa fonte de recursos – diz, Robson Rodrigues.

Antropólogo e ex-capitão do Bope, a tropa de elite da PM, Paulo Storani também relaciona o fenômeno à redução do efetivo das forças de segurança. “A polícia já está no limite da sua capacidade, e tem o difícil desafio de conter o avanço da criminalidade com menos efetivo e menos recursos”.

– O domínio territorial virou um grande negócio, em áreas de difícil acesso e controle facilitado pela desorganização urbanística, que faz com que a própria população local sirva de escudo para o crime nas ações policiais. Para isso, o crime usa a estratégia do medo como forma de controle.

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