Rio de Janeiro, 05 de Dezembro de 2025

Caso ‘Justiceiros’: Rio deve pagar R$ 500 mil após incitação a linchamento

Justiça condena Estado do Rio a indenizar vítimas de linchamento após vazamento de dados de adolescentes. Operação Verão de 2023 em foco.

Sexta, 14 de Novembro de 2025 às 10:15, por: CdB

Decisão da Justiça responsabiliza agentes por vazar dados de jovens e alimentar clima de perseguição durante a Operação Verão de 2023.

Por Redação, com Agenda do Poder – do Rio de Janeiro

O Estado do Rio de Janeiro foi condenado a pagar R$ 500 mil em danos morais coletivos, além de indenizações individuais, a adolescentes vítimas de exposição ilegal e linchamentos ocorridos na Zona Sul em dezembro de 2023. A decisão, da juíza Lysia Maria da Rocha Mesquita, da 1ª Vara da Infância e da Juventude Protetiva, responsabiliza agentes dos batalhões de Copacabana (19º BPM) e Ipanema (23º BPM) por divulgar dados sigilosos e fotos de adolescentes, fomentando um ambiente hostil que incentivou a atuação de grupos de “justiceiros”.

Caso ‘Justiceiros’: Rio deve pagar R$ 500 mil após incitação a linchamento | ‘Justiceiro’ de Copacabana mostra soco-inglês
‘Justiceiro’ de Copacabana mostra soco-inglês

O episódio ficou conhecido como o caso dos “justiceiros de Copacabana”. Durante o verão de 2023, homens se organizaram pelas redes sociais para agredir, de forma violenta e arbitrária, jovens suspeitos de furtos e arrastões. As agressões, filmadas e publicadas na internet, revelaram o avanço de uma espécie de vigilantismo que transformou a orla em um cenário de tensões crescentes, marcado por episódios de espancamento.

Vazamentos criaram ambiente de ódio

A juíza apontou que o vazamento de fichas de identificação, fotos e dados pessoais partiu da própria Polícia Militar, gerando um “ambiente de ódio e perseguição”. Imagens com marca d’água do 19º BPM circularam em grupos de moradores e perfis nas redes sociais. Segundo o Ministério Público, autor da ação, o objetivo era “incitar o linchamento por grupos paramilitares”.

A sentença afirma que o Estado violou direitos fundamentais de crianças e adolescentes previstos na Constituição, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). “A exposição indevida, ainda que por vazamento, violou a imagem, a honra e a dignidade dos jovens, e os expôs à ira ilícita de grupos autointitulados ‘justiceiros’”, escreveu a magistrada.

Medidas impostas pela Justiça

Além das indenizações, o Estado está proibido de divulgar nomes, imagens ou documentos de adolescentes aos quais se atribua ato infracional, assim como vídeos de “recolhimento compulsório” da Operação Verão. O governo deverá apresentar, em 20 dias, um programa de capacitação para agentes policiais sobre direitos humanos e abordagem de crianças e adolescentes, com recorte racial.

O descumprimento das medidas pode gerar multa diária de R$ 5 mil por adolescente afetado. O valor de R$ 500 mil será direcionado ao fundo previsto no artigo 214 do ECA.

Contexto da Operação Verão

A decisão foi proferida no contexto da Operação Verão 2023-2024, implementada pelo governo estadual para reforçar o policiamento nas praias da Zona Sul. A ação foi alvo de críticas por abordagens abusivas e pela apreensão ilegal de adolescentes pobres e negros que se deslocavam para a orla.

Em dezembro de 2023, a Justiça proibiu o recolhimento de adoelscentes sem flagrante, afirmando que a operação violava “direitos individuais e coletivos de uma camada específica da sociedade”. A medida foi suspensa pelo Tribunal de Justiça e depois restabelecida em fevereiro de 2024 pelo ministro Cristiano Zanin, do STF, que determinou a criação de um protocolo de abordagem a adolescentes.

Atuação violenta dos ‘justiceiros’

Os grupos que se autodenominavam “justiceiros” agiam principalmente em Copacabana, Leme e Arpoador. Vestindo roupas pretas e máscaras, circulavam com pedaços de pau, barras de ferro e socos-ingleses. A polícia encontrou mensagens que organizavam “caçadas” a adolescentes e estimulavam ataques. Muitos jovens ficaram feridos, em episódios gravados e divulgados nas redes sociais.

A sentença destaca que o Estado contribuiu para criar um clima “de segregação e medo”, favorecendo a emergência de grupos de extermínio. Segundo a juíza, “as ações estatais acabaram por reforçar uma estrutura vergonhosa de exclusão e dividir o Rio de Janeiro entre quem pode e quem não pode estar nas praias”.

Posição da Polícia Militar

A Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que a corporação ainda não foi comunicada oficialmente sobre a condenação. Disse que, assim que houver notificação, será aberto um procedimento apuratório interno.

“O comando da corporação reitera que não compactua com possíveis desvios de conduta ou cometimento de crimes praticados por seus entes, punindo com rigor os envolvidos quando constatados os fatos”, afirmou a PM em nota.

Edições digital e impressa