Rio de Janeiro, 21 de Novembro de 2024

Caminhos para ganhar o Nobel de Economia

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Quarta, 23 de Outubro de 2024 às 10:15, por: CdB

“Há uma preocupação constante em não discutir mais a fundo as profundas contradições que o sistema capitalista apresenta e as insuficiências da teoria convencional em dar resposta”.

Por Abraham B. Sicsú – de Brasília

O fascínio pelo Nobel cativa pessoas. Na intelectualidade mais ainda. Em qualquer área, em qualquer situação. Ser considerado “gênio” um desejo nada escondido. Preparam-se, a vida toda, na angústia, com ansiedade. O anúncio, realização plena.

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Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson, laureados com o Nobel de Economia em 2024

O prêmio do Banco Central da Suécia que chamamos de Nobel da Economia é desejado e disputado pelas melhores cabeças, pelas melhores instituições. Ter um Nobel significa muito na frenética disputa entre e dentro de universidades e institutos do conhecimento. Aqueles que não o pretendem ou tem consciência de sua “insignificância” acompanham, a cada ano, o anúncio e os trabalhos que lhe deram origem. E ficam estupefatos. Divertem-se, concordam ou discordam.

Trabalhando na área de economia, desde 1979, não sendo superdotado, procuro dar uma olhada e entender as motivações que levam ao prêmio máximo. Raramente me convencem, mas, pelo menos, fico informado.

Há uma lógica subliminar que deve ser entendida. A teoria tradicional, neoclássica e mesmo keynesiana, tem demonstrado inconsistências graves frente à realidade, o que leva à necessidade do seu repensar, eu preferia que fosse abandonada. Nesse sentido, os ganhadores têm se caracterizado por pensamentos que, embora não deixem de lado os modelos e conclusões dos clássicos, modificam alguma premissa que se torne totalmente destoante da realidade observável. Sem abandonar os modelos, introduzem variáveis para sanar esses vieses e continuar adotando o modelo pré-existente.

Bom lembrar sempre dois prêmios que de certa maneira enfrentaram mais de frente o problema, embora à época que os receberam não afrontassem tanto o sistema.

Krugman, em plena crise capitalista de 2008, ganhou o prêmio por mostrar que a globalização levava a uma lógica desigual de competitividade, não seriam apenas as vantagens comparativas que poderiam fazer um país se inserir melhor na economia mundial, o comércio exterior crescente levaria à especialização e faria com que as economias de escala, conceito muitas vezes ignorado, levassem a posições competitivas mais consolidadas e eficientes, para aqueles que se destacam nas relações internacionais de compra e venda.

Stiglitz, em 2001, foi laureado, trazendo um ponto muito relevante. As falhas de mercado não ocorrem sem uma justificativa plausível. Um dos elementos fundamentais para a economia é a informação, qualitativa e quantitativa. A assimetria, ou seja, a informação desigual, faz com que os mercados tenham lógicas diferenciadas de funcionamento, sendo os detentores desse conhecimento muito mais competitivos com uma tendência crescente à concentração, à oligopolização dos mercados.

O interessante é que em ambos os casos, seus trabalhos mais recentes são muito mais densos e melhor definidores da economia e tendências atuais.

Voltemos ao mais usual, aos economistas que não abandonando os modelos convencionais, modificam apenas uns poucos de seus aspectos.

Tendo trabalhado com a área da concorrência, tive que analisar os novos modelos que se estruturavam e suas lógicas. Nisso, entender aspectos da obra de Robert Lucas Jr. , ganhador de 1995, foi importante. Seus trabalhos são a base do que chamamos Expectativas Racionais. O prêmio veio devido a uma análise em que três aspectos seriam fundamentais. As decisões econômicas se baseariam em uma ação racional dos indivíduos, na disponibilidade assimétrica de informações e na história pregressa dos indivíduos e instituições. Nesse sentido, os erros e acertos passados seriam fundamentais para a tomada de posição. No entanto, se aprofundarmos um pouco o modelo, verificaremos que as tomadas de posição se baseiam, em excesso, no fator racionalidade, o que leva a que não se mexa na estrutura e axiomas dos modelos.

Cristopher Sims e Thomas Sargent foram os vencedores de 2011. Aprofundam, sem mudar a essência, os mesmos modelos. Preocupam-se em analisar o que é causa e efeito na economia. Por exemplo, a autoridade monetária, para controlar a inflação, controla a taxa de juros. A demanda aquecida é a causa ou efeito. Ela surge advinda da variação da taxa de juros, ou a taxa de juros é determinada pela demanda. Isso pode ser importante para compreender as políticas monetárias adotadas e seus impactos na sociedade. Um debate bem atual.

Racionalidade humana

Como não se mudava o modelo, o ano de 2017 trouxe uma teoria que parecia interessante, a de Economia Comportamental de Richard Thaler. Partia do questionamento mais obvio, da idéia de que a constante busca de otimização do “homem econômico” que agia sempre com racionalidade, não era compatível com a prática observável. A racionalidade humana tinha muitos aspectos além da econômica, psicológicos, por exemplo, o que não levava a permitir concluir que sempre se procuraria a obtenção do resultado mais eficiente economicamente. Se assim era, fundamental compreender esse aspecto aleatório e aplicar aos modelos. Verifiquem que se mantêm os modelos. Um levantamento de comportamentos randômicos, fortuitos, permitiria definir um agente médio que substituiria o “homem racional” e utilizando modelos econométricos poderiam levar a resultados mais consentâneos com a real economia. Sem abandonar os demais axiomas.

Em 2023 o prêmio foi para a terceira economista da história, Claudia Goldim. Trabalho que traz a questão de gênero para o centro dos estudos. Algo que outras ciências sociais já faziam com profundidade. Mostra as disparidades salariais e de oportunidades na sociedade contemporânea. Chama a atenção para o fato de que isso está fortemente associado à fase da vida das mulheres e a sua profissionalização. Evidentemente, o que é muito pertinente, mostra a responsabilidade da sociedade como um todo com essas fases, o que levaria à necessidade de um sistema que garantisse a procriação e os cuidados maternais em igualdade de direitos numa sociedade capitalista. Nessa direção, advoga uma mudança de postura nos núcleos dos casais e no reconhecimento dos papeis fundamentais para a civilização.

Em 2024 vem com um trio de economistas. Acenoglu, Johnson e Robinson. Procuram analisar questão recorrente desde os Clássicos, desde Adam Smith, a riqueza das nações. Seus trabalhos tentam mostrar que o desenvolvimento não pode ser explicado por abundância de recursos, naturais ou financeiros, ou por questões climáticas. Está fortemente associado às instituições que se consolidam, que constroem. Mais ainda, onde há uma forte base educacional e de conhecimento, estas propiciam o forte desenvolvimento. Até esse ponto, acredito que todos concordarão. No entanto, subjacente, está a idéia de que o modelo se constrói baseado no que se costumou chamar de “democracia liberal”. Esse seria o arcabouço político do processo, sem ela não seria possível. Uma breve analise nos textos indicados para o prêmio mostra exemplos vários. Pena que não estudaram o caso da Rússia em 1917 ou, mais atual, da China e sua evolução. Esses eles ignoram. O ideológico está fortemente entranhado.

Numa análise dos prêmios, que tive condições de conhecer, vejo que há uma preocupação constante em não discutir mais a fundo as profundas contradições que o sistema capitalista apresenta e as reais insuficiências da teoria convencional em dar resposta. Detalhes são aprofundados, desde que não se ataque a essência.

 

Abraham B. Sicsú, é professor aposentado do Departamento de Engenharia de Produção da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e pesquisador aposentado da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco).

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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