Para o grupo, o Flor Amarela tornou-se um símbolo da força e resiliência que deve seguir inspirando as mulheres atingidas pelo desastre ambiental.
Por Redação, com ABr - de Brasília
Ela despontou em meio ao caos, à morte, ao flagelo. Singela, com pétalas que pareciam lutar para se levantar diante da lama, virou símbolo da resistência e da retomada da vida de um grupo de cerca de 30 mulheres de Brumadinho. A flor amarela, imortalizada em uma foto que circulou pelo Estado de Minas Gerais após a enxurrada de lama que deixou 240 mortos e mais de 60 desaparecidos no dia 25 de janeiro, deu vida a um projeto, o Flor Amarela, que leva ajuda, conforto e abraço a mulheres que perderam parentes, amigos, conhecidos. Como a flor, elas precisam de força para se levantar e seguir reconstruindo os caminhos em meio ao que sobrou após a devastação.
Para o grupo, o Flor Amarela tornou-se um símbolo da força e resiliência que deve seguir inspirando as mulheres atingidas pelo desastre ambiental. É o que conta a jornalista Patrícia Giudice, uma das cinco idealizadoras do grupo. “Aquela lista de óbitos foi se formando, e a gente percebeu que a maioria eram homens em idade produtiva. E a gente começou a enxergar o cenário de quem ficava. Mulheres, mães e esposas que ficariam naquela cidade, e foi então que voltamos o olhar para elas.”
Denise Cristina Rodrigues de Moraes, advogada, mãe e esposa, nasceu em Brumadinho e passou parte da infância na Ferteco, empresa de mineração que foi incorporada pela Vale. Ela morou na vila dos funcionários, e a casa era próxima à barragem destruída pela lama. “Meu pai pescava lá. Sempre frequentei o Córrego do Feijão e morei em uma fazenda próxima do vilarejo. Foi devastador o que aconteceu. Perdi um primo e vários amigos.” Quando resolveu participar do projeto, Denise viu uma oportunidade de conviver com pessoas que tinham uma história parecida com a sua.
Não foi simples. Mesmo tendo contato com parte das mulheres desde a infância, a situação deixou todos muito introspectivos, como explica. “Houve uma ‘chuva’ de oportunistas, e a falta de informação sobre os procedimentos a serem tomados fez com que muitas pessoas fossem lesadas. O Flor vai para seu quarto encontro. Aos poucos, as flores, essas mulheres queridas, vão se abrindo nas conversas, nas dinâmicas e no cafezinho, ao final. É um momento que sempre começa um pouco tenso e vai se iluminando. É muito gratificante receber os agradecimentos e ver os rostos menos tensos e com um pontinho de brilho lá no fundo”, diz Denise.
Acolhimento
O projeto é pautado pela simplicidade e oferece às mulheres de Brumadinho momentos de escuta, solidariedade, empatia. “Ajudá-las a pensar em uma visão de futuro sem cair na depressão, que é um quadro bem comum depois de uma tragédia”, explica a jornalista. “Acreditamos que o melhor esforço de recuperação é aquele que envolve a própria comunidade. Por isso, respeitar o momento de luto das pessoas é igualmente importante quanto o que desejamos construir com nossas mulheres”, diz a página do projeto no Instagram.
O tempo corre de maneira diferente nos encontros do grupo: respeita-se o tempo do luto. “No projeto, entendemos que houve um empoderamento forçado das mulheres após o rompimento. Queremos humanizar o processo, oferecendo acolhimento, promovendo a união com outras mulheres em situações semelhantes, além de fomentar a criação coletiva de uma visão de futuro para elas”, diz a bancária Melissa Fayad Milken, outra idealizadora do Flor Amarela.
Ela estava no Museu Inhotim, localizado em Brumadinho, no dia da enxurrada de lama, e diz que não conseguiu entender de imediato a amplitude do desastre. “Aos poucos, percebi que os danos causados eram irreparáveis e impactariam permanentemente na vida de toda a comunidade. Meus amigos perderam familiares e pessoas queridas. Tentei entrar em contato com alguns amigos de Brumadinho para saber como poderia ajudar a comunidade e, em uma dessas conversas, decidimos trabalhar no projeto que recebeu o nome de Flor Amarela.”
Escrita terapêutica
No último encontro, chamaram a jornalista Ana Holanda, que trabalha com escrita criativa e afetuosa, para ajudá-las a transformar a dor em palavras. A jornalista ouviu das vítimas que o lugar onde passaram a infância não existia mais, que parte das recordações foi embora. “A lama levou muita coisa, mas levou principalmente meu primo. Meu marido morreu naquele dia. E hoje eu odeio Brumadinho”, disseram algumas das vítimas.
Para Ana, no luto, o texto, o papel, as palavras, podem ajudam as mulheres a dar vazão ao que estão sentindo. “É um processo de organização interna. Eu falo com os meus amigos do texto em camadas, que é quando a gente sai da superfície e entra no profundo (...). Eu não tinha certeza se isso ia ajudar, de alguma forma, essas mulheres, mas o que eu vi é que ajuda e muito.”
O próximo encontro do Flor Amarela está previsto para o fim deste mês. Quem quiser auxiliar ou fazer parte do projeto pode entrar em contato com o grupo pelas redes sociais @floramarelabrumadinho ou pelo e-mail contato@projetofloramarela.com.br