Rio de Janeiro, 04 de Dezembro de 2024

Brasil: direitos humanos são coisas do passado

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Quarta, 27 de Novembro de 2024 às 20:54, por: Rui Martins

Uma abstenção do Brasil na Comissão de Direitos Humanos na ONU, há uma semana, em Genebra, me fez lembrar meus anos em Paris, quando havia no Brasil a ditadura militar.

Por Rui Martins, editor do direto da Redação
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A islamização da esquerda já está nas redes sociais
Naquela época, enquanto fazia o mestrado em jornalismo e sociologia, morando no quarto andar de um hotel sem elevador na rue de la Sorbonne, o Hotel Montesquieu não mais existente, e circulando entre as ruas d´Assas, Saint Guillaume, Glacière e as do Quartier Latin, logo depois da revolta estudantil de 1968, os jornais franceses comentavam sempre a situação brasileira depois do Golpe militar de 64 e havia sempre manifestações e encontros na Mutualité de denúncias contra a ditadura.Eram importantes, naqueles anos, os apoios do governo da França, dos países e jornais europeus contra os crimes e torturas que ocorriam no Brasil.

O recente filme de Walter Salles relembrando a prisão e morte, depois de torturas, de Rubens Paiva, mostra bem o clima político brasileiro na época e como o fim da ditadura dependia de denúncias e apoios internacionais.
Um documento de 1972 obtido e fotocopiado, uns vinte anos depois pelo companheiro Alípio Freire, no arquivo do DOPS, me citava como “responsável, na França, pelas críticas publicadas na imprensa européia contra o governo brasileiro”. Exagero, que poderia me custar caro, pois havia muito mais gente revelando no exterior os crimes da ditadura.

Por que essa introdução? Para lembrar que, sem as condenações pela ONU, por muitos países e pela imprensa internacional, a ditadura militar brasileira poderia ter se mantido no poder por muitos anos e não ter terminado em 1985.

Diante disso, é normal esperar que o governo do Brasil democrático de hoje retribua condenando, na ONU, outras ditaduras existentes, para que a pressão internacional consiga derrubá-las.

Entretanto, o governo brasileiro optou por se abster em uma resolução que condena o Irã pela repressão contra as mulheres, pela violência usada para silenciar manifestantes e pela onda de execuções de penas de morte por parte das autoridades em Teerã.

Como o Brasil tem liderança no Brics, sua abstenção foi seguida por 66 países. Essa decisão se complica, pois em abril o chefe do escritório do Brasil na ONU, Tovar da Silva Nunes, tinha reconhecido as consecutivas violações de direitos humanos do governo do Irã, mas agora justificou a abstenção alegando um “diálogo construtivo”.

Ora, esse diálogo parece improdutivo ou inexistente, pois não existem notícias de viagens e encontros entre autoridades dos dois países em favor dos direitos humanos. Já em fins do ano retrasado a Anistia Internacional fazia um apelo, denunciando que a falta de pressão internacional contra o Irã permitira uma nova onda de violência e atrocidades contra a população.

Segue um trecho do apelo da Anistia Internacional: “A falta de reação da comunidade internacional encorajou as autoridades iranianas a intensificarem o uso ilegal da força, incluindo força letal, contra os manifestantes e mataram mais de 200 pessoas, incluindo 30 crianças, desde o início das manifestações em 16 de setembro. O Conselho dos Direitos Humanos da ONU deve convocar imediatamente uma sessão especial sobre o Irã para evitar que novos crimes ao abrigo do direito internacional e outras violações dos direitos humanos, incluindo execuções ilegais e actos de tortura e outros maus-tratos, sejam cometidos contra todos aqueles que foram detidos arbitrariamente.”

A recente entrada do Irã e outros países do Sul Global no Brics mudou a avaliação do Brasil em termos de direitos humanos e política internacional. Essa não é uma situação isolada, ela se insere numa nova avaliação de alguns setores ditos de esquerda, diante de uma nova análise da realidade mundial pela corrente pós-colonialista.

Nessa linha, o combate ao imperialismo norte-americano exige a participação dos chamados países do Sul Global com uma desvalorização da importância da laicidade, que permite a reunião com ditaduras teocráticas autoritárias. Na França, isso vem sendo chamado de islamização da esquerda, com a liderança de Jean Luc Mélenchon.

E se pode entender, dado o crescimento da população muçulmana nas cidades francesas suburbanas, com o aumento e valorização do voto dos filhos e netos dos imigrantes, a nova geração franco-muçulmana.
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Assim como nos EUA e no Brasil a religião evangélica foi adotada pela extrema direita, a ponto de terem sido eleitos Bolsonaro e Trump, uma parte da esquerda francesa, na falta dos operários, está adotando os imigrantes. Como a maioria dos imigrantes são muçulmanos, é necessário mudar a teoria, a linguagem e o estilo.

Essa realidade emergente é revolucionária no sentido de poder mudar o equilíbrio religioso no planeta, dependendo das opções da China e da Índia. Quem visita as redes sociais brasileiras de esquerda já pode ter percebido certas mudanças, quem ainda não percebeu deve ficar atento, pois não existem condenações ao Irã por questões de direitos humanos.

Hoje, os jornais franceses dão destaque à prisão do escritor franco-argelino Boualem Sansal, pelo governo argelino. Autor profícuo, seus últimos livros tratam justamente da questão da teocracia e islamismo político. Um de seus livros tem um título bem sugestivo – “Governar no nome de Alá. Islamização e sede de poder no mundo árabe.”

Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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