Os dados efetivamente registrados durante a pandemia se aproximaram das estimativas feitas pela Abin, e em alguns casos, a disseminação do vírus ultrapassou as expectativas dos agentes de inteligência.
Por Redação - de Brasília
O ex-mandatário neofascista Jair Bolsonaro (PL), durante a pandemia de covid-19 que levou à morte cerca de 700 mil brasileiros, ignorou mais de mil relatórios preparados pelas agências de inteligência. Todos eles projetavam um aumento nos números de casos e mortes no país.
A decisão de minimizar a gravidade da emergência sanitária e adiar a compra e distribuição de vacinas ocorreram à margem dos documentos sobre o assunto, que ficaram mantidos em sigilo durante o período entre março de 2020 e julho de 2021. Estes relatórios contêm carimbos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e outras vezes não são identificados apenas pelos autores, segundo dados vazados para a mídia conservadora, nesta sexta-feira.
Os documentos reforçam o fato de que Bolsonaro ignorou tanto as recomendações do Ministério da Saúde quanto as informações coletadas pelos agentes de inteligência dentro do próprio Palácio do Planalto. Os estudos, elaborados por agentes da Abin e do GSI, destacavam a importância do distanciamento social e da vacinação como formas eficazes de controlar a doença.
Cloroquina
Os relatórios alertavam, ainda, sobre a possibilidade de colapso da rede de saúde e funerária no Brasil e desaconselhavam o uso da cloroquina, mostrando estudos que apontavam seus potenciais riscos. Eles também reconheciam a falta de transparência do governo Bolsonaro na divulgação dos dados da pandemia e a lentidão do Ministério da Saúde em definir estratégias de testagem e combate à doença.
A maior parte dos relatórios projetava três cenários de avanço de casos e mortes por covid-19 no Brasil, classificando-os do mais grave ao menos grave, para um período de aproximadamente duas semanas seguintes. No entanto, Bolsonaro contrariou repetidamente as recomendações dos técnicos de saúde e dos agentes de inteligência, ao promover aglomerações e menosprezar as medidas para evitar a propagação do vírus. Em diversas ocasiões, ele chegou a minimizar a gravidade da doença, referindo-se à covid-19 como "mimimi".
Os dados efetivamente registrados durante a pandemia se aproximaram das estimativas feitas pela Abin, e em alguns casos, a disseminação do vírus ultrapassou as expectativas dos agentes de inteligência. Em abril de 2021, por exemplo, o número de mortos no Brasil chegou a 341.097, enquanto a projeção feita em março apontava entre 330.216 e 338.558 mortes, nos cenários mais otimista e pessimista, respectivamente.
Casa Civil
Os relatórios foram produzidos, principalmente, para discussões no comitê liderado pela Casa Civil sobre as ações do governo durante a pandemia, mas não eram compartilhados com todos os membros do comitê e apenas chegavam às mãos de assessores de poucos ministros. Integrantes da cúpula do Ministério da Saúde afirmaram desconhecer a existência desses relatórios.
Os estudos de inteligência também alertavam sobre os riscos do desgaste político resultante de uma má gestão federal da pandemia. Eles mencionavam que problemas no sistema funerário poderiam impactar negativamente a percepção da população sobre as ações estatais no enfrentamento da pandemia e minar a confiança no governo. Além disso, apontavam o risco de boicotes internacionais ao Brasil devido à falta de transparência nos dados sobre a covid-19.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid não recebeu os documentos da Abin, apesar de ter solicitado previsões do governo sobre a pandemia. O governo Bolsonaro justificou a negativa de acesso aos documentos alegando que eles eram apenas instrumentos de estudo e, portanto, não deveriam ser divulgados.
Desde o início da pandemia até agora, o Brasil registrou 704.659 mortes por covid-19 e 37.717.062 casos, de acordo com o Ministério da Saúde.