Nossas próprias células estão continuamente reparando genes. Os filamentos de DNA em uma célula humana típica se quebram cerca de 40 vezes por dia — e cada vez, nossas células têm que consertá-los e é o que os tardígrados fazem de melhor.
Por Redação, com NYT - de Paris
Alguns anos atrás, para apresentar seus filhos às maravilhas escondidas do reino animal, a bióloga Anne De Cian entrou em seu jardim em Paris. Ela reuniu pedaços de musgo, voltou para dentro de casa para molhá-los e colocá-los sob um microscópio. Seus filhos puderam, então, ver estranhas criaturas de oito patas escalando o musgo. Eram os tardígrados.
— Eles ficaram impressionados — disse De Cian.
Mas a bióloga não parou ali e levou as criaturas para seu laboratório no Museu Nacional de História Natural da França, onde ela e seus colegas as atingiram com raios gama. As explosões foram centenas de vezes maiores do que a radiação necessária para matar um ser humano. Ainda assim, os tardígrados continuaram como se nada tivesse acontecido.
DNA despedaçado
Sabe-se há muito tempo que os tardígrados são incrivelmente resistentes à radiação, mas só agora De Cian e outros pesquisadores estão descobrindo os segredos de sua sobrevivência. As criaturas se revelam mestres em reparo molecular, capazes de rapidamente reconstituir pilhas de DNA despedaçado.
Modelo de tardígrados no Museu Americano de História Natural, em Nova York - Hiroko Masuike - 30.mar.15/The New York Times
Os cientistas têm tentado romper as defesas dos tardígrados por séculos. Em 1776, o naturalista italian Lazzaro Spallanzani descreveu como esses animais poderiam secar completamente e então serem ressuscitados com um respingo de água. Nas décadas seguintes, descobriu-se que poderiam resistir a pressões extremas, a congelamentos profundos e até mesmo a uma viagem ao espaço sideral.
Em 1963, foi verificado que as criaturas resistiam a enormes explosões de raios X. E, em estudos mais recentes, constatou-se que algumas espécies de tardígrados sobrevivem mesmo a uma dose de radiação 1,4 mil vezes maior do que a necessária para matar uma pessoa.
Proteínas
Depois que os animais são expostos à radiação, suas células usam centenas de genes para produzir uma nova leva de proteínas. Muitos desses genes são familiares aos biólogos, porque outras espécies — incluindo nós mesmos — os utilizam para reparar o DNA danificado.
Nossas próprias células estão continuamente reparando genes. Os filamentos de DNA em uma célula humana típica se quebram cerca de 40 vezes por dia — e cada vez, nossas células têm que consertá-los.
Os tardígrados produzem essas proteínas de reparo padrão em quantidades surpreendentemente grandes.
— Eu pensei: 'isso é ridículo’ — lembrou Clark-Hachtel quando mediu os níveis pela primeira vez.
Células
De Cian e seus colegas também descobriram que a radiação faz com que os tardígrados produzam uma série de proteínas não vistas em outros animais. Por enquanto, suas funções permanecem em grande parte um mistério.
Os cientistas escolheram uma proteína particularmente abundante para estudar, chamada TRD1. Quando inserida em células humanas, parecia ajudar as células a resistir a danos em seu DNA. Concordet especulou que o TRD1 pode se agarrar aos cromossomos e mantê-los em sua forma correta, mesmo quando seus filamentos começam a se desgastar.
Estudar proteínas como TRD1 não apenas revelará os poderes dos tardígrados, disse Concordet, mas poderá levar a novas ideias sobre como tratar distúrbios médicos. Danos no DNA desempenham um papel em muitos tipos de câncer, por exemplo.
No musgo
Concordet ainda acha bizarro que os tardígrados sejam tão bons em sobreviver à radiação. Afinal, eles não precisam sobreviver em usinas nucleares ou cavernas revestidas de urânio. "Este é um dos grandes enigmas: por que esses organismos são resistentes à radiação em primeiro lugar?"
Esse superpoder, arrisca ele, pode ser apenas uma coincidência extraordinária. A desidratação também pode quebrar o DNA, então os tardígrados podem usar seus escudos e proteínas de reparo para resistir a isso.
Embora um jardim em Paris possa parecer um lugar fácil para nós vivermos, Concordet disse que pode representar muitos desafios para um tardígrado. Até mesmo o desaparecimento do orvalho todas as manhãs pode ser uma catástrofe.
— Não sabemos como é a vida lá embaixo no musgo — conclui.