Se o presidente Jair Bolsonaro não acreditava nem no vírus e nem na vacina, por que iria acreditar no aquecimento climático do planeta e aceitar fazer alguma coisa contra isso? Existe, portanto, uma óbvia incompatibilidade do Bolsonaro com a ciência, decorrente talvez do currículo exigido na sua formação militar, ou voluntária, movida por interesses econômicos.
Por Rui Martins
Ou seja, pode muito bem acreditar em pretensos seres invisíveis religiosos, mas rejeita a existência de organismos vivos visíveis com microscópios eletrônicos, dependendo do quanto ganha nisso.
Bolsonaro nunca deve ter ouvido falar, mas se ouviu não levou a sério, de um estudo científico australiano, elaborado por cientistas independentes em Melbourne depois de pesquisas iniciadas há sete anos. Trata-se do Breakthrough National Centre for Climate Restoration.
Alguns especialistas, nas discussões que se travam em jornais e revistas com o objetivo de levar informações aos leitores leigos em climatologia, acham que pode haver um certo exagero quanto ao tempo ou prazo previsto, mas concordam estarmos vivendo uma situação perigosa em termos de aquecimento climático.
Caso Bolsonaro não tenha sido realmente informado a respeito, a culpa cabe ao ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, acusado de exportar ilegalmente madeira de lei de árvores derrubadas na região amazônica.
Ao que parece, o ministro aplicava um tipo de desmatamento ecológico, pois evitava o alto calor e as colunas de fumaça provocadas pela queima das árvores, praticada por apressados agricultores e pecuaristas interessados em terem logo acesso aos títulos de propriedade de vastas áreas.
Áreas que, na verdade, ainda pertenciam aos indígenas, habitantes da região muitos séculos antes da dita descoberta por Cabral.
Como se estivesse lendo enquanto escrevo, o presidente Bolsonaro, ora curtindo um fim de semana prolongado nos países árabes, acaba de nos enviar um esclarecimento de Dubai.
Num encontro com a imprensa e líderes locais, ele lamentou a distorção praticada pela imprensa brasileira e retrucou não ter havido desmatamento na Amazônia. A floresta permanece a mesma que era, num espetáculo maravilhoso de se ver de avião, desde a época do descobrimento.
Chegou até a citar o português Pedro Álvares Cabral, mas omitiu o principal: que já era uma região habitada há muitos séculos. E não explicou aos seus anfitriões árabes por que veem na televisão tantas colunas de fumaça espessa e mesmo altas labaredas saindo do meio da floresta amazônica.
Gente muito educada; ninguém levantou a mão para desmentir Bolsonaro mas devem ficado ofendidos, porque era mentira e mentira grossa.
Fazia apenas alguns dias, ainda em Glasgow, que tinham circulado entre todos os países participantes da COP 26 as fotos, filmes, vídeos mostrando as queimadas e desmatamentos acelerados na Amazônia, além de grupos de nativos dando seu testemunho sobre os desmatamentos, expulsões e assassinatos de famílias de indígenas habitantes da região por garimpeiros e agropecuaristas.
Se Bolsonaro lesse os jornais e os noticiários nacionais e internacionais, não precisaria fazer o papel de Pinóquio entre os árabes: o mês de outubro foi o mês no qual mais se desmatou, num total de 877 km2, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Em dois anos de governo, já desapareceram cerca de 12 mil km2 de árvores.
Mas Bolsonaro não mente sozinho: Joaquim Leite, ministro do Meio Ambiente, reconheceu em Glasgow a existência do que chama de desmatamento ilegal, garantindo que será controlado até 2028, sem contar haver sido diminuída a verba destinada ao policiamento e fiscalização das florestas e terem sido anistiados os indiciados e multados por desmatamento ilegal.
Com o aumento dessas áreas desmatadas destinadas rapidamente ao plantio de soja e cereais e à criação de gado de corte, tudo destinado à exportação por grandes grupos, o Brasil vai deixando de ser o pulmão para se tornar o celeiro do mundo.
Não se sabe se os próprios brasileiros ganham com o fluxo de divisas resultante dessa exportação em massa de alimentos. Os jornais falam em aumento da pobreza e num aumento da fome entre a população.
Sabe-se, porém, que outros fatores vão influenciar daqui para a frente. Ao se lançarem no objetivo de destruir a Amazônia, algo previsível na hipótese de reeleição de Bolsonaro, os agropecuaristas descuidaram, no seu apetite voraz, de prever, p. ex., se haverá água suficiente para irrigar tantos milhares de quilômetros de plantações.
O clima úmido criado pelas florestas garantia chuvas constantes e abundantes. Ora, o desmatamento tornou o ar seco e o regime de chuvas vai mudar, com chuvas esparsas, períodos de estiagem e seca. Exemplo típico é o do Pantanal.
Mas existem outras causas, provocadas também por outros países, responsáveis pela existência do dióxido de carbono na atmosfera e por outras emissões de gases causadores do efeito estufa como o metano, que deverão ser controladas, segundo o Grupo de Peritos Intergovernamentais sobre Evolução do Clima.
A crise do coronavírus, restringindo atividades e viagens durante sua fase mais grave, conteve o aquecimento climático, porém o último relatório do Giec foi alarmante e prevê um aquecimento de 1,5 grau, dentro de nove anos, capaz de provocar desastres climáticos como ondas de calor e inundações sem precedente.
Nada ou bem pouco sendo feito, como acaba de se decidir no encontro COP 26, o aquecimento climático do planeta vai continuar e poderá não ser mais controlável a partir de 2050.
Outros países continuam poluindo com a utilização industrial do carvão, mas o desmatamento da Amazônia tem desde já um efeito negativo, pois as terras desmatadas entregues à lavoura ou criação de gado provocam a formação do CO2 e do metano, enquanto antes as florestas exerciam uma função protetora.
Aqui a incredulidade de Bolsonaro, e de outros dirigentes com relação ao aquecimento climático se torna suicida, pois nos leva às previsões catastróficas dos cientistas australianos, David Spratt e Ian Dunlop, responsáveis pelo BNCCR.
Segundo eles, o aquecimento climático tornará a maior parte do planeta inabitável, provocando destruição e êxodo de grande parte das populações africanas e sul-americanas, com conflitos, guerras e o fim de muitos países. (publicado no Observatório da Imprensa, edição iconográfica do blog Náufrago da Utopia)
Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
Direto da Redação é um fórum de debates publicado no Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.