A ditadura e os fantasmas daquele outono de 68
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Sexta, 04 de Abril de 2014 às 11:18, por: CdB
Naquele outono de 1968, o Brasil vivia sob um silêncio pesado. Para espiões do regime ditatorial, instalados no colégio Rivadávia Corrêa, no Centro do Rio de Janeiro, quem se organizava na União Nacional dos Estudantes (UNE) e em outras agremiações estudantis, que ousasse contestar o sistema, era considerado como "elemento perigoso", como consta na minha ficha do Departamento de Ordem Política e Social (Dops).
Ainda resistiam, no inconsciente coletivo, os ecos da II Guerra Mundial. O nazismo e a perseguição aos judeus, aos comunistas, ciganos e portadores de síndromes ou necessidades especiais estavam presentes nas publicações e nas conversas de roda. O Brasil de então vivia o pior momento de uma ditadura fascista, e sabíamos que era preciso se contrapor ao poder constituído. Mas não foi fácil.
Costumava ouvir, às altas horas da noite, em casa, por um rádio Transglobe, as notícias somente veiculadas pela Rádio Tirana, da Albânia, sobre a guerrilha que se desenvolvia no Araguaia. Eram sempre assunto, na hora do recreio, as histórias dos guerrilheiros Lamarca, Osvaldão, João Amazonas, Elza Monnerat, Maurício Grabois e tantos outros que, na época, lutavam contra as forças da repressão. Não se via uma linha sequer deste enfrentamento nos jornais aqui do Rio. O silêncio era sufocante. Lia-se amenidades de sobra nas páginas dos diários. Censura.
Não era possível ficar calado, principalmente, quando acompanhávamos uma realidade acessada por poucos, seja pela alienante atmosfera da época, recheada de futebol, concurso de miss isso e miss aquilo pela TV Tupi e aquele tabu no ar. Falar sobre a ditadura era quase um pecado mortal. Ainda assim, nos tempos do colégio, um grupo de meninos e meninas fazia questão de confrontar aquela realidade, com a certeza de que não seríamos os únicos, nem os últimos.
Hoje, 50 anos depois do golpe de Estado que deu origem aos 'anos de chumbo', no final da década de 60 até meados de 80, torna-se uma necessidade para as gerações mais novas voltar àquele tempo. Revisitar as noites mal dormidas, com o ouvido colado no rádio para não acordar ninguém e saber o que o mundo dizia de um Brasil que nós, brasileiros, não conhecíamos. Lembrar que, se hoje vivemos em um país livre, em muito se deve àqueles meninos e meninas, todos empenhados em uma luta sem quartel contra o inimigo oculto, que nos perseguia e espionava nas salas de aula, nos pátios, nas ruas. Um risco sempre iminente de, simplesmente, desaparecer em um porão qualquer. Perecer sob tortura. Restar para a eternidade em uma cova rasa, se tanto.
É em homenagem a estes pequenos e bravos combatentes, que não chegaram a se tornar estrelas na lápide do monumento aos heróis que enfrentaram o regime ditatorial, que deixo um singelo e fraterno abraço. Consigno, aqui, minhas lembranças de um tempo de violência e luta. Enquanto viver na memória dos brasileiros o que significou tanto sofrer, poderemos garantir às gerações futuras: Ditadura nunca mais!
Sergio Nogueira Lopes é sociólogo, jornalista e escritor, autor de O Mal ronda o Mosteiro, entre outros.