Rio de Janeiro, 21 de Dezembro de 2024

Santana e o marketing do "golpe"

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Domingo, 28 de Agosto de 2016 às 14:54, por: CdB
Não há nenhum golpe. O Brasil é uma democracia, os senadores e deputados foram eleitos pelo povo e a Constituição permite destituir presidente. Por Rui Martins, de Genebra:
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Essa história de "golpe" não passa de uma campanha de marketing
A situação é surreal. A "presidenta" suspensa Dilma Rousseff vai livremente ao Senado se defender do risco quase certo de ser destituída, onde repetirá ser "vítima de um golpe!". Os atores e o diretor do filme Aquarius denunciaram, em pleno Festival de Cannes com cartazes, estar havendo um "golpe" no Brasil. Um estudante brasileiro na Escola de Cinema de Havana declara diante do público, no Festival de Locarno, "não há mais democracia no Brasil, houve um golpe"! Dilma não está presa, mas aguarda no Palácio do Alvorada, em Brasília, em plena liberdade, com funcionários e servidores pagos pela União, a decisão do Senado. Ao contrário do que acontecia depois do Golpe de 1964, os artistas denunciantes do "golpe" em Cannes e Locarno já retornaram ao Brasil, não sofreram nenhuma pressão no aeroporto e o diretor do filme Aquarius pode até aspirar ser seu o filme brasileiro indicado ao Oscar de filme estrangeiro. Não há presos políticos no Brasil, os blogueiros podem prosseguir sem problema sua campanha "Fora Temer", a imprensa grande ou nanica não tem censura, não há tanques nas praças e nem militares tomaram as ruas. Mas ressoam aqui e ali denúncias de ter havido um "golpe" no Brasil. O que está acontecendo? Trata-se de uma tentativa de filmagem de um remake do Golpe de 1964 por artistas e intelectuais nostálgicos? Em todo caso, os marqueteiros (talvez tenha sido ideia de Santana antes de ser preso pela Operação Lava Jato) tiveram sucesso com o lançamento dessa campanha de um "golpe" virtual, irreal ou surreal, sem necessidade de uma Cadeia da Legalidade da Rádio Farroupilha para formar a resistência. O objetivo é simples - convencer o povo de que a presidente Dilma não está sendo destituída do cargo por pedaladas, por incompetência, inabilidade política ou por cumplicidade na corrupção na Petrobras, mas por ser vítima de um "golpe". A situação além de surreal é ridícula, porque os contrários ao presidente interino Temer, querem nos fazer crer estar no poder um governo totalmente diferente do governo Dilma suspenso em maio. Esquecem ter sido Dilma quem deu o golpe nos seus eleitores (alguns dizem um golpe no próprio PT), o chamado calote eleitoral, por ter decidido governar à direita no segundo mandato, com banqueiros, desmatadores, posseiros, representantes dos agrotóxicos e dos cereais geneticamente modificados. E se agora, os blogs petistas falam em reformas de Temer inclusive na previdência social, isso fazia igualmente parte do programa de Dilma. Ninguém quer mais se lembrar da arrogante Dilma que desobedecia e enfrentava o seu próprio criador, o Pigmalião Lula. Qual a diferença de um Meirelles no governo Temer ou no governo de Lula, sabendo-se que Lula preferia Meirelles, rejeitado pela turrona Dilma, no lugar de Levy? Ah, mas Dilma era um governo de inclusão social, vai me repetir um petista ou dilmista fiel como um religioso, sem capacidade de raciocinar, comparar ou divergir. O programa de inclusão social começou devagar nos governos de Lula, mas não chegou a ser estruturado, razão pela qual logo poderá ser desmontado. Vamos falar a verdade: as bolsas família incentivaram o consumismo e não havia crise econômica mundial. Isso nem pode ser considerado  seriamente como um simples traço num governo de esquerda, mesmo porque na Europa os programas de assistência social vão bem mais longe. Porém, mesmo incipiente, não evoluiu no governo de Dilma. Basta se ouvir as lideranças negras e indígenas. Em termos de sustentabilidade, o desenvolvimentismo de Dilma era zero, além de apoiar a predação da natureza. E a corrupção? Para a base, a ordem é continuar dizendo ser invenção da Globo e do juiz Sérgio Moro. Ou se usa como justificativa ter sido igualmente utilizada a corrupção pelos governos anteriores (!). Quanto a Dilma, seus defensores juram ser honesta, mesmo se reconhecem ser um tanto mentirosa. Para a imprensa internacional, sabedora dos bloqueamentos de contas de diretores da Petrobras e das denúncias dos bancos suíços, desejosos de mudar suas imagens, a inocência de Dilma é difícil de engolir. Como uma ministra das Minas e Energia, ex-presidente do Conselho da Petrobras e chefe da Casa Civil poderia ignorar o movimento das propinas com o dinheiro da Petrobras? O caráter forte e independente de Dilma elimina a hipótese de uma inocente útil, utilizada como marionete. A versão mais crível é a de ter feito vista grossa. De todo esse caos que paralisou e desestabiliza o Brasil, resta algo incompreensível: como o PT não colocou Lula como candidato em 2014 e cedeu à exigência da incontrolável Dilma? Desconhecia que isso, mesmo sem os atuais problemas, poderia complicar a eleição de Lula em 2018? Amadorismo, falta de visão, medo de um retorno do câncer, incompetência da direção do PT ou tentativa indireta de descartar Lula do PT? Por que o PT ao sentir a pressão da Justiça no mensalão não mudou de tática anulando o programa de propinas via Petrobras, que financiavam o Partido mas enriqueciam seus dirigentes? Em todo caso, a história de golpe é puro marketing para desviar os incautos de outras questões importantes. A principal é a de que Dilma sempre foi um problema mesmo para o PT. Sua arrogância, sua falta de diplomacia, sua mania de sempre ter a razão criou problemas de relações humanas com seus ministros, com parlamentares da situação e da oposição, com juízes, com secretários e com seus subalternos. Se Lula puder ser candidato, a saída de Dilma lhe permitirá tentar recuperar a credibilidade perdida. Em suma, embora continue a alardear essa história de "golpe" para diminuir o impacto de sua perda do poder causada por sua própria culpa, o PT sabe muito bem que o impeachment de Dilma só lhe poderá ser benéfico. Mas por ter traído os ideais de sua fundação será punido por seus ex-eleitores. O resto é conversa mole para enganar ingênuos. O Brasil é um democracia, seu Parlamento foi eleito democraticamente e a Constituição permite destituição de presidente. Medida normalmente difícil de ser aplicada por exigir 2/3 do total de deputados e senadores, mas reconhecida pelo PT que votou contra Collor no passado. Dilma conseguiu reunir esse quorum impossível contra si.  Mesmo se, como dizem os petistas,  os parlamentares são corruptos (e muitos são) ocupam cargos legítimos, pois foram eleitos. E o paradoxo é total: para defender Dilma, os petistas atacam o Congresso Nacional e a Justiça, o que equivale a um apelo ao golpe. Rui Martins, jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e rádios RFI e Deutsche Welle. Editor do Direto da Redação.
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