Rio de Janeiro, 30 de Dezembro de 2024

A tática de Jesus depois de Spartacus

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Domingo, 26 de Dezembro de 2021 às 13:21, por: CdB

Esqueçam o Papai Noel que a Coca-Cola vestiu com suas cores e que nada mais é do que a apoteose do consumismo. O que o mundo realmente celebra (ou deveria celebrar) no Natal é a saga de um filho de carpinteiro que trouxe esperanças a pescadores e outras pessoas simples de um país subjugado ao maior império da época. Antes dele, tinha falhado, no Império Romano, a revolta dos escravos, liderada por Spartacus.

Por Celso Lungaretti
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As diferenças entre Spartacus e Jesus
Os primeiros cristãos eram triplamente injustiçados:
— economicamente, porque pobres;
— socialmente, porque insignificantes; e
— politicamente, porque tiranizados.
Jesus Cristo nasceu três décadas depois da maior revolta de escravos enfrentada pelo Império Romano em toda a sua existência.
As mais de 6 mil cruzes fincadas ao longo da Via Apia foram o desfecho da epopeia de Spartacus, que, à sua maneira rústica, acenou com a única possibilidade então existente de revitalização do império: o fim da escravidão. Roma ganharia novo impulso caso passasse a alicerçar-se sobre o trabalho de homens livres, não sobre a conquista e o chicote.
Sua pregação era socialmente revolucionária, evitando apenas confrontar a dominação romana (seria suicídio) 
Vencido Spartacus, não havia mais quem encarnasse (ou pudesse encarnar) a promessa de igualdade na Terra.
Jesus Cristo a transferiu, portanto, para o plano místico: todos os seres humanos seriam iguais aos olhos de Deus, devendo receber a compensação por seus infortúnios num reino para além deste mundo.
Este foi o cristianismo das catacumbas: a resistência dos espíritos a uma realidade dilacerante, avivando o ideal da fraternidade entre os homens.
Hoje há enormes diferenças e uma grande semelhança com os tempos bíblicos: o império igualmente conseguiu neutralizar as forças que poderiam conduzir a humanidade a um estágio superior de civilização.
A revolução é mais necessária do que nunca, mas inexiste uma classe capaz de assumi-la e concretizá-la, como o fez a burguesia, ao estabelecer o capitalismo; e como se supunha que o proletariado industrial fizesse, edificando o socialismo.
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AS AMEAÇAS DE CATÁSTROFES E O FANTASMA DO RETROCESSO – O fantasma a ora nos assombrar é o do fim do Império Romano: ou seja, o de que tal impasse nos faça retroceder a um estágio há muito superado em nosso processo evolutivo.
Mas, ao enfurecer-se com os que mercantilizavam a fé, ameaçou a estrutura de poder de Israel e foi destruído.
O capitalismo hoje produz legiões de excluídos que fazem lembrar os bárbaros que deram fim a Roma; não só os que vivem na periferia do progresso, mas também os miseráveis existentes nos próprios países abastados, vítimas do desemprego crônico.
E as agressões ao meio ambiente, decorrentes da ganância exacerbada, estão atraindo sobre nós a fúria dos elementos, com consequências avassaladoras. Décadas de catástrofes serão o preço de nossa incúria.
No entanto, como disse o grande jornalista Alberto Dines, “criaturas e nações cometem muitos desatinos, mas na beira do abismo recuam e escolhem viver”.
Se a combinação do progresso material com a influência mesmerizante da indústria cultural tornou o capitalismo avançado praticamente imune ao pensamento crítico e à gestação/concretização de projetos alternativos de organização da vida econômica, política e social, tudo muda durante as grandes crises, quando abrem-se brechas para evoluções históricas diferentes.
Estamos em plena contagem regressiva, encaminhando-nos para o momento em que as contradições insolúveis do capitalismo acabarão desembocando numa depressão tão terrível como a da década de 1930; e em que nos veremos gravemente ameaçados pela sucessão de emergências e mazelas que decorrerão das alterações climáticas (a pandemia de covid-19 parece ser apenas um trailer do que está para vir).
"...a solidariedade, ao invés do egoísmo..."
O sofrimento e a devastação serão infinitamente maiores se os homens enfrentarem desunidos tais desafios. Caso as nações e os indivíduos prósperos venham a priorizar a si próprios, voltando as costas aos excluídos, estes morrerão como moscas.
O desprendimento, em lugar da ganância; a cooperação, substituindo a competição; e a solidariedade, ao invés do egoísmo, terão de dar a tônica do comportamento humano nas próximas décadas, se as criaturas e nações escolherem viver.
E há sempre a esperança de que os mutirões criados ao sabor dos acontecimentos acabem apontando um novo caminho para os cidadãos, com a constatação de que, caso se mobilizem e organizem tendo o bem comum como prioridade suprema, eles aproveitarão muito melhor as suas próprias potencialidades e os recursos finitos do planeta.
Então, para além do Natal mercantilizado, que se tornou a própria celebração do templo e de seus vendilhões, vislumbra-se a possibilidade de outro. O verdadeiro: o Natal cristão, dos explorados, dos humilhados e ofendidos. (Publicado originalmente no blog Náufrago da Utopia)
Se frutificarem os esforços dos homens de boa vontade que, entre nós, ainda restarem. (por Celso Lungaretti, jornalista, escritor, lutou contra a Ditadura militar, editor do blog Náufrago da Utopia)
Direto da Redação é um fórum de debates publicado no Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.
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