Rio de Janeiro, 21 de Dezembro de 2024

A solene indiferença

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Segunda, 02 de Agosto de 2004 às 08:36, por: CdB

A invernia voltou a Porto Alegre. Depois de um dia nublado e indeciso em 29, a manhã de 30 de julho começou chuvosa e gelada, com o vento cortante que vem do fundo de pampa e prossegue rumo ao norte. Mas isto não abate o ânimo dos participantes desta terceira edição do Fórum Mundial da Educação, nem da cidade que foi seu berço e agora o acolhe novamente.

São 22 mil inscritos segundo a organização. As grandes conferências receberam um público constante estimado em 15 mil pessoas. Eles e elas vêm de 47 países: 30% (6600) dos inscritos são estrangeiros. Fora a brasileira, a maior delegação é a uruguaia. A capacidade hoteleira da cidade está esgotada. A demanda por táxis cresceu em 30%. A cidade vive o Fórum, o Fórum vive a cidade.

Chovem elogios sobre Porto Alegre. Na abertura da sua palestra de ontem, na grande conferência do dia, perante as 15 mil pessoas que locupletavam o Gigantinho, o professor Michael Apple disse que em matéria de educação Porto Alegre é professora para o mundo. Logo a seguir o professor Emir Sader abriu sua fala dizendo que o Rio Grande do Sul têm uma das melhores esquerdas do país, numa referência ao trabalho consistente que as administrações populares vêm fazendo no Estado, em confronto explícito com a ideologia do império dos mercado.

Por onde anda o prefeito João Verle é saudado com carinho e entusiasmo. João Verle pegou a prefeitura de Porto Alegre em momento delicado, depois da derrota do ex-prefeito Tarso Genro na disputa pelo governo do Estado, em 2002. Verle era o vice-prefeito; não faltava quem duvidasse de sua capacidade para empalmar e liderar a administração. De estilo sóbrio, quieto, Verle fugia ao estereótipo do político gaúcho, afeito à eloqüência e à largueza de gestos. Hoje não resta mais dúvida: se a frente popular vencer mais uma vez em outubro, ampliando para 20 anos sua presença à frente da capital gaúcha, isto também se deverá à administração de Verle, considerada inatacável até por seus adversários.

Mas... incauto leitor, incauta leitora, sobretudo de outros rincões do país, se lerdes a nossa imprensa... quase nada disso ali transparece. Uma solene indiferença marca a "descobertura" de um evento dessa magnitude. Haverá raízes ideológicas para isso? Sem dúvida. As administrações populares de Porto Alegre e a chuva de prêmios e menções honrosas nacionais e internacionais, que sobre ela cai continuamente, de instituições oficiais ou não, comprometidas com a promoção dos direitos humanos, incomodam a hegemonia que aquele império do mercado exerce sobre parte considerável de nossa imprensa.

Essa má vontade não nos deve surpreender. Na conferência de abertura, o pensador marxista István Mézsáros, que de tanto vir a Porto Alegre já arrisca um português que, se ainda não é de todo fluente, já é suficiente para uma palestra, sublinhou que uma educação que supere a sujeição ao metabolismo do capital começa por romper a separação entre o "homo faber", aquele que executa, e o "homo sapiens", aquele que pensa e portanto ordena e comanda. É bom inclusive assinalar que essa dicotomia esteve longe de ser superada pela prática dos países comunistas, que se enredaram nas próprias burocracias até a derrota perante o mundo capitalista, como assinalou o presidente da Confederação dos Educadores Americanos, o uruguaio Fernando Rodal, na palestra sobre ensino profissional na tarde de 29. Na mesma palestra o professor Gaudêncio Frigotto lembrou que em pleno capitalismo tardio, quando se esperava a superação da economia de mercado, o que ruiu foi o mundo do socialismo real. E assistimos, como disse Antonio Ibañez Ruiz, ainda na mesma palestra, o crescimento da "economia de cassino", onde os capitais financeiros invadem um país, sugam lucros mais ou menos extorsivos, e vão para outro, como se estivessem numa rua de Las Vegas.

Pois bem, para esse mundo e para a grande parcela de nossa imprensa que a ele entusiasticamente sucumbiu no passado recente, o "homo sapiens

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Edições digital e impressa
 
 

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