Quando se aproximava, na noite de segunda-feira (15/3), do charmoso Copacabana Palace para o jantar que compartilharia com o presidente da Argentina Néstor Kirchner, Lula foi avisado por telefone da presença de uma forte concentração popular na porta do hotel, inclusive com algumas dezenas de ex-funcionarios de bingos e suas faixas de protesto. O presidente, então, decidiu entrar no hotel pela porta dos fundos. Ao que se saiba, foi a primeira vez que Lula, depois de eleito, precisou se esquivar para evitar o contato direto com o povo. Todos se lembram que, nos primeiros meses de mandato, o presidente chegou a ser criticado por se expor demais, mas ainda assim não abandonou o hábito do corpo-a-corpo. O prazer que cada contato desses lhe causava, captado pelas câmeras de televisão e transmitido para todo o Brasil, via satélite, era visível: bastava observar a expressão de seu rosto.
Decidir entrar no Copacabana Palace pela porta dos fundos, portanto, mais do que um gesto, é um símbolo de que algo está mudando para Lula. Próximo de completar um terço de seu mandato, o presidente se vê no momento mais delicado até agora enfrentado pelo governo. Ao desemprego crescente somou-se a crise política, com o escândalo proporcionado por Waldomiro Diniz. A cada hora que passa, a sensação de frustração dos eleitores com o governo parece crescer e - justo agora que os indicadores de retomada econômica poderiam sugerir que o "espetáculo do crescimento" estava começando - veio a pancada em José Dirceu. Pancada naturalmente muito bem aproveitada pela oposição que, com o auxílio luxuoso da grande mídia, superdimensionou o Caso Waldomiro a ponto de colocar artificialmente governo, PT e base aliada em crise. Mais ainda, mostrou que as elites do país - mesmo aquelas que apóiam ou integram o governo - não hesitarão jamais em tentar derrubar o projeto de construção de um governo democrático e popular que Lula, por enquanto, ainda representa.
Quais são os verdadeiros aliados desse projeto democrático e popular, burilado pelo PT e por outros partidos de esquerda ao longo dos últimos 20 anos? Talvez Lula estivesse pensando isso no dia e meio em que permaneceu no Copacabana Palace, fisionomia preocupada a ponto do próprio Kirchner tê-lo aconselhado a deixar de lado o almoço programado entre as delegações dos dois países na terça-feira (16/3) para retornar mais cedo a Brasília. Bom observador, o presidente da República talvez esteja começando a perceber que a opção pela estabilidade econômica (que ele continua achando correta) e o conseqüente esforço pela criação de uma base a mais ampla possível no Congresso Nacional podem ter um preço muito alto para a sua biografia. Se, ao final dos quatro anos desse mandato, as constantes chantagens promovidas pelas elites econômicas e suas mídias tiverem de fato comprometido o governo no que ele trazia de mais valioso - a esperança de mudança e melhora na vida do povo - o que será de Lula, mesmo que tenha o sucesso de seu governo atestado pelo todo-poderoso Mercado? Vai ficar feliz com os serviços prestados e gozar sua retraite em Miami? Quem conhece Lula sabe que não é isso o que o presidente quer para si.
O verdadeiro PT jamais contará com a simpatia política das elites. Vejamos o PSDB, por exemplo. Depois de dilacerar a economia brasileira durante os oito anos de governo de FHC e ainda promover, nos meses que antecederam a vitória de Lula, o mais escandaloso processo de chantagem eleitoral da história do país, o partido não hesitou em saltar na jugular do governo assim que surgiu o Caso Waldomiro. Não nos esqueçamos que foi a chantagem do Mercado, amplificada pelas forças que apoiavam a candidatura de José Serra, que provocou a turbulência econômica que acabaria fatalmente ferindo de morte a candidatura petista. Não feriu porque o PT acabou cedendo, com Antonio Palocci costurando o acordo que iria culminar na Carta ao Povo Brasileiro, onde Lula prometia bom comportamento ao Mercado. Lula,