Causou espécie a reação do governo espanhol e do seu candidato a primeiro-ministro nas urnas de domingo passado, propondo de imediato e sustentando a tese de que o atentado terrorista fora cometido pelo ETA. Quando a burrice é demais, até o demônio desconfia. As pesquisas apontavam a vitória do PP conservador com razoável folga, que podia chegar no extremo a cerca de 10%. Mas será que era isso mesmo?
A pergunta procede porque só a iniciativa de uma manobra desesperada pode explicar a atitude do governo de Aznar e de seu candidato a sucessor. Continuaram atribuindo o crime ao movimento basco mesmo depois das evidências e das mensagens de confissão que chegavam à mídia e vinham a público apontar para a Al-Qaeda.
Na época da invasão ao Iraque, 80% da opinião pública espanhola era contrária à guerra. Por que isso não se manifestaria eleitoralmente a partir de uma questão tão grave? Por que isso não se agravaria com a divulgação de que Bush, Blair e seus serviços secretos tinham mentido? Por que, no fim de contas, a confirmação de que o objetivo desses serviços secretos em vez de ser a segurança da população, é a eficácia na criação de simulacros que a enganem, não afetaria a eleição espanhola?.
Veja-se a situação política nos Estados Unidos, onde está ainda a população mais crédula, seja porque quer permanecer nessa condição, seja porque está cega ainda pelos atentados do 11 de setembro de 2001 e pelas mentiras sobre o Iraque. Lá mesmo, onde ainda pode ser que Bush venha a ganhar, a credibilidade dos motivos que supostamente levaram à invasão do Iraque é um item crucial da eleição. Se Kerry conseguir desacreditar Bush neste item, pode muito bem levar a eleição. Na Inglaterra, a situação, ainda que não haja eleição à vista de imediato, não é diferente: Blair está na defensiva, e está na defensiva em seu próprio partido. E a invasão do Iraque será certamente central numa próxima eleição, assim como na Itália. Por que seria tão diferente para Aznar e seu sucessor?
Aznar, seu sucessor e os comandos do governo e do PP deviam saber de algo que as pesquisas não espelhavam, para lançar-se numa manobra tão destituída de consistência. Só o desespero da previsão da derrota pode justificar a atitude tomada. Esse algo mais tanto pode ser uma pesquisa de qualidade, ou uma previsão de tendência que vinha crescendo, quanto algo que as pesquisas simplesmente ocultavam.
Já vimos casos assim no Brasil. Aqui mesmo em coluna não tão distante no tempo (2004: quem viver, verá, 7/1/2004) comentei a apuração da eleição no Rio Grande do Sul em 1982, quando Jair Soares derrotou Pedro Simon. Ali não foram as pesquisas: na própria apuração o retardamento da abertura de urnas que favoreceriam Simon criou a imagem de uma vitória esmagadora de Soares. Simon reconheceu a derrota e foi para a praia, desarticulando seu esquema de fiscalização. Quando a diferença começou a encolher, ele retornou, mas era tarde. Até hoje há suspeitas de que houve fraude. Tentou-se fazer o mesmo com Brizola, no Rio, mas a manobra não surtiu efeito. Em 1998, quando Olívio Dutra ganhou de Antonio Britto, até pouco tempo antes da eleição as pesquisas apontavam vitória deste até na Grande Porto Alegre, por grande diferença. Dutra ganhou na Grande Porto Alegre por 60 x 40. Depois veio a explicação esfarrapada de que se utilizava um conceito de "Grande Porto Alegre ampliada" que chegava até a divisa com Santa Catarina! Ainda em 2002 as pesquisas davam vitória no mesmo Estado a Germano Rigotto contra Tarso Genro por diferenças que chegavam a 16 pontos percentuais. No fim, como era de se esperar, a diferença foi de 5 pontos.
É verdade que o ETA, como autor dos atentados, era mais atraente para favorecer o PP do que a Al Qaeda. Mas para um partido que estivesse com uma maioria de fato consolidada seria uma loucura lançar-se na aventura a que o PP se lançou, e de início com um bom espaço na TV espanhola que chega ao Brasil através da NET. Haveria uma