Rio de Janeiro, 22 de Janeiro de 2025

A dieta da solidão

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Segunda, 09 de Fevereiro de 2004 às 09:54, por: CdB

Há mais ou menos 30 anos, o semanário alemão Die Zeit publicou artigo instigador sobre a ausência de grandes líderes políticos na segunda metade do século 20 - e a atribuiu à falta de solidão. Os governantes contemporâneos, dizia a autora, Marion Gräfin Dönhof, então diretora do semanário, não dispõem mais de tempo a fim de refletir sobre os grandes problemas do Estado e de lhes encontrar, solitariamente, a solução. Marion Dönhof culpava, sobretudo, os aviões: no passado, quando as viagens duravam mais tempo, os homens públicos podiam dispor da solidão, fosse nas cabines pessoais dos navios e trens, fosse, ainda mais, a cavalo ou nas carruagens. Ela cita um exemplo clássico, o de Talleyrand. O negociador francês levou duas semanas de viagem, entre

Paris e Viena, em 1815, a fim de participar do Congresso que reorganizou o mapa político da Europa, depois da derrota de Napoleão, e conseguiu extraordinária vitória política para a França, livrando-a de represálias dos vencedores. Sem bajuladores (ele se bastava nesse particular) que o distraíssem, Talleyrand pôde concentrar-se no que faria na Áustria.
Richelieu viajava pouco, mas, em compensação, passava muito tempo diante dos altares. A pretexto de orar, isolava-se dos circunstantes e podia pensar com clareza sobre os problemas de seu país. Churchill, como se sabe, costumava descansar no meio do dia e só destinava aos amigos parte da noite, mas, assim mesmo, o charuto lhe permitia concentrar-se, sem dar muita atenção aos outros. Tancredo tinha o hábito de fazer de conta que dormia, nos aviões e nos automóveis, a fim de concentrar-se. Além disso, sempre que podia, ficava só.

O presidente da República está precisando de alguns intervalos para a solidão. Ele quase nunca está só, nem mesmo quando viaja. Tendo construído a liderança no meio da massa, a sua natureza é espontânea e expansiva. O exercício do poder, em país de forte tradição presidencialista, como o nosso, lhe exige, no entanto, dedicar mais tempo ao diálogo com a consciência, formada ao longo de uma biografia rica e acidentada. Só assim ele poderá arbitrar, porque este é o seu papel, entre as idéias e interesses sociais que se conflitam na equipe governamental, porque ali estão democraticamente representados.

É, mais do que difícil, impossível, formar uma equipe que pense e aja em plena harmonia, a menos que atue sob o medo do tirano. Nos regimes de liberdade, esses dissídios são naturais, sobretudo em um governo de coalizão. Mas cabe ao presidente, até mesmo pela responsabilidade que lhe atribui, claramente, a Constituição, dar a sua palavra final como Chefe do Poder Executivo. O presidente só está sujeito aos outros Poderes. No Executivo, e dentro de suas prerrogativas e deveres, ninguém pode estar acima de sua autoridade.

Queixa-se o presidente do vazamento de informações. Esse é outro inevitável resultado do processo democrático. A técnica de governar aconselha que a discussão de qualquer assunto seja a mais ampla possível, mas a decisão seja tomada internamente, e só então levada ao conhecimento da opinião pública. Che Guevara, quando ministro da Economia em Cuba, tinha uma frase para definir a situação "discusión colectiva, pero decisión individual, del Jefe".

O Chefe de Estado necessita de bons conselheiros, e, em alguns casos, como os das Relações Exteriores, seus avisos devem ser ouvidos com atenção maior. Os ritos da diplomacia exigem muito do homem público, mas foi exatamente por saber cumpri-los bem que Talleyrand - já que o citamos - obteve tanto sucesso pessoal e tanto êxito para o seu país. O presidente sabe que, passados os tempos, e os tempos são velozes, a História só recompensa ou cobra o desempenho dos líderes.

É salutar que Mantega tenha opinião diferente daquela exposta pelos remanescentes do fernandismo na equipe econômica, e é natural que os ortodoxos do Banco Central recebam o apoio de Palocci, na defesa do arrocho que todos conhecemos (e que o paí

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