Em 2014, sempre que havia alguma movimentação nos bastidores petistas para substituir a criatura pelo criador como cabeça da chapa presidencial, eu dava um discreto apoio ao Volta, Lula!.
Pois, embora considerasse nociva para a esquerda brasileira a perpetuação do PT no poder mesmo tendo-se evidenciado gritantemente como um partido não-revolucionário, estava muito preocupado com o que poderia ocorrer se uma presidente tão medíocre quanto Dilma Rousseff estivesse governando o País numa conjuntura que, eu tinha certeza, seria de profunda crise econômica.
Mas, ela aferrou-se à candidatura como um buldogue a seu osso. Talvez tenha finalmente se dado conta de que sua política econômica retrô incubara uma grave recessão e, por uma questão de orgulho, ansiasse pela chance de corrigir seus erros num segundo mandato. Só que, ao invés disto, fez a situação deteriorar-se ainda mais, acabando por pavimentar o caminho para a volta da direita ao poder.
Para meu alívio, pelo menos Dilma caiu sem levar consigo a democracia reconquistada a duras penas em 1985. O golpe que eu temia – o verdadeiro, com tanques nas ruas –, não aconteceu. Ela foi derrubada por um peteleco do Congresso, que tinha respaldo na Constituição para agir como agiu (havia até um precedente, o impeachment de Fernando Collor em 1992, muito parecido com o de 2016).
Perspicaz charge divulgada durante a campanha de 2014 |
Consumado o afastamento de Dilma, os grãos petistas puseram a trombetear em suas redes um fantasioso golpe parlamentar, não por acreditarem na existência da mais remota possibilidade de o Senado devolver-lhe o poder adiante, mas para evitar (ou retardar) o desencadeamento de um processo de crítica e autocrítica que, certamente, deixaria em frangalhos sua hegemonia na esquerda.
E, para meu imenso pesar, muitos esquerdistas eminentes não tiveram estatura moral para denunciar o embuste, preferindo agir de forma tão tíbia e pusilânime quanto os comunistas que, mesmo horrorizados com o pacto de não-agressão firmado entre Stalin e Hitler em 1939, preferiram calar sua discordância, omitindo-se vergonhosamente.
Então, faço questão de registrar que ainda há analistas com fibra para nadarem contra a corrente, como Élio Gaspari o fez em sua colaboração dominical com alguns jornalões brasileiros. Embora não subscreva tudo que ele diz, há duas constatações do Gaspari com as quais concordo em gênero, número e grau:
- a queda da Dilma se deveu à sua total inadequação e incompetência para o cargo, não a mirabolantes conspirações direitistas;
- a desgraça do Lula, caso venha a ocorrer, se deverá principalmente ao seu erro terrível de não exigir que Dilma desistisse da reeleição em 2014, deixando-o tentar o terceiro mandato.
Não é só quando cai em pegadinhas do tipo Tomás Turbando que o advogado da presidente afastada Dilma Rousseff faz triste figura. As falas de José Eduardo Cardozo também são desastrosas quando, ainda que mais cautelosas, se destinam a leitores com um mínimo de espírito crítico, como os da Folha de S. Paulo.
Não é só quando cai em pegadinhas do tipo Tomás Turbando que o advogado da presidente afastada Dilma Rousseff faz triste figura. As falas de José Eduardo Cardozo também são desastrosas quando, ainda que mais cautelosas, se destinam a leitores com um mínimo de espírito crítico, como os da Folha de S. Paulo.
Assim, em entrevista publicada nesta 2ª feira, 4, ele primeiramente declarou que a perícia das contas de Dilma a teria inocentado (faltando com a verdade: elas configuram, sim, crime de responsabilidade, mas de um tipo que costuma ser tolerado ao invés de punido), daí se dizer esperançoso de que os senadores a recoloquem no Palácio do Planalto:
"Confio no Parlamento. Não creio que deva ser o Judiciário que barre um julgamento dessa natureza, mas que a classe política reconheça. Não é possível que, diante dessas provas todas, se queira consumar uma situação desse tipo. Provamos que o que eu estava dizendo estava correto: não há dolo da presidente".
Logo em seguida, contudo, antecipou que não vai aceitar a derrota e, a qualquer momento, poderá recorrer ao STF para questionar a "justa causa" do impeachment ou a "constitucionalidade dos decretos".
Ou seja, ele só confia verdadeiramente no Parlamento quando seu lado sai vitorioso, mas não hesitará em tentar provocar um conflito de Poderes na eventualidade de um fracasso.
Então, fez questão de deixar no ar uma grave ameaça, em tentativa extremamente canhestra de intimidar os senadores.
E subestimou de forma grotesca a possibilidade de os simplórios leitores da Folha captarem o recado que ele, o çábio, estava mandando nas entrelinhas.
Se a Dilma queria encontrar um patrono à sua imagem e semelhança, acertou na mosca. Ambos, cada vez que abrem a boca, ou dizem besteiras, ou tropeçam em cascas de banana ou dão tiros no pé.
Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Preso e processado, escreveu o livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial). Tem um ativo blog com esse mesmo título.Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.