Rio de Janeiro, 21 de Novembro de 2024

Um ano após tomar o poder, Talebã não cumpriu promessas

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Segunda, 15 de Agosto de 2022 às 07:24, por: CdB

Ao retomar Cabul, os talebãs anunciaram políticas moderadas em relação às mulheres e jornalistas, por exemplo. Na prática, direitos femininos e liberdade de imprensa foram amordaçados, entre outras promessas quebradas.

Por Redação, com DW - de Cabul

O Talebã retomou o controle do Afeganistão em 15 de agosto de 2021, horas depois que as últimas tropas dos Estados Unidos se retiraram do país e o então governo democraticamente eleito desmoronou.
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O Talebã retomou o controle do Afeganistão em 15 de agosto de 2021
Novamente no poder, os islamistas prometeram uma versão mais branda do regime linha-dura que caracterizou seu primeiro comando do Afeganistão, de 1996 a 2001. Mas a promessa dos talebãs não foi cumprida, principalmente no que diz respeito aos direitos das mulheres. Muitas restrições de liberdade às afegãs foram reimpostas pelo grupo. Abaixo, confira algumas alegações feitas pelo Talebã, e o que se concretizou um ano depois.

Os direitos das mulheres serão respeitados sob a lei islâmica

Alegação: "As mulheres serão muito ativas na sociedade, mas dentro das regras do islã", disse o porta-voz do Talebã, Zabihullah Mujahid, em sua primeira entrevista coletiva em agosto de 2021. Dentro dessas normas, elas seriam autorizadas a trabalhar e estudar. Checagem de fatos da agência alemã de notícias Deutsche Welle (DW) : Falso. Quando o Talebã retornou ao poder, muitos temiam um regime tão severo com as afegãs quanto na década de 1990. Um ano depois, o Talebã implementou muitas restrições à vida das mulheres. Elas devem se cobrir da cabeça aos pés em público. Se uma mulher não cobrir o rosto fora de casa, seu pai ou parente homem mais próximo pode ser preso ou demitido de cargos públicos. As mulheres não podem embarcar em aviões sem um homem, que deve ser seu marido ou um parente próximo do sexo masculino. A entrada em parques públicos no Afeganistão é limitada por gênero. Três dias são reservados para as mulheres, e quatro para os homens. No entanto, de acordo com um decreto, é fortemente recomendado que as mulheres saiam de casa apenas quando necessário. Os talebãs alegam preocupações de segurança ao tomar tais decisões. Estudiosos afirmam que essas restrições não são cobertas pela lei islâmica. Sayed Abdul Hadi Hedayat, um teólogo baseado no Afeganistão, se opõe à maneira pela qual o Talebã impõe regras às afegãs em relação à cobertura de seus corpos. – Há um consenso entre clérigos e países muçulmanos sobre o próprio hijab, mas há opiniões diferentes sobre o tipo de hijab para as mulheres – afirmou Hedayat à DW. Ele explica que, de acordo com o islã, rosto, mãos e pés não fazem parte das áreas que devem ser cobertas. O Talebã também restringiu a atuação de mulheres em certos setores, conforme descrito num relatório da Anistia Internacional. "A maioria das funcionárias do governo foi instruída a ficar em casa, com exceção daquelas que trabalham em certas áreas, como saúde e educação", diz o relatório. "A política do Talebã parece ser que eles só permitirão que mulheres que não podem ser substituídas por homens continuem trabalhando." Muitas mulheres em cargos altos, mesmo no setor privado, foram demitidas. Essa política também contraria o entendimento básico do islã. "O islã tratou as mulheres igualmente, particularmente no campo da educação", diz Farid Younos, professor aposentado de estudos sobre o Oriente Médio e filosofia islâmica na Universidade Estadual da Califórnia, nos EUA. Segundo ele, ao longo da história as mulheres desempenharam um papel importante na educação, a exemplo da esposa e filha do profeta Maomé. Tanto Hedayat quanto Younos afirmam que, segundo os ensinamentos islâmicos, a educação é obrigatória tanto para homens quanto para mulheres. "A sharia islâmica não é contra a educação e o trabalho das mulheres, porque não teremos uma sociedade funcional e próspera sem o papel das mulheres", diz Hedayat. Mulheres que protestaram contra as restrições e políticas do Talebã foram perseguidas, ameaçadas, presas e até torturadas, disse a Anistia Internacional.

Garotas poderão frequentar ensino médio

Alegação: "O Ministério da Educação está trabalhando arduamente para fornecer educação às meninas do ensino médio o mais rápido possível", disse o porta-voz do Talebã, Zabihullah Mujahid, em 21 de setembro do ano passado. Checagem de fatos da DW: Falso. O Talebã permitiu que meninas mais jovens fossem à escola em classes segredadas dos garotos, mas as alunas do ensino médio foram privadas da educação. Em março, o Ministério da Educação anunciou que as escolas seriam abertas para todos os alunos, inclusive para as meninas. No entanto, um dia depois, quando as garotas retornavam às aulas pela primeira vez, o ministério reverteu a permissão, exigindo que elas deixassem a escola. O ministério culpou a falta de professores e problemas nos uniformes escolares, e afirmou que abriria as escolas para meninas assim que um plano fosse elaborado de acordo com a "lei islâmica e a cultura afegã". Desde então, porém, nada mudou.

Anistia geral para ex-inimigos

Alegação: Em 17 de agosto de 2021, Mujahid disse: "Gostaria de assegurar a todos os compatriotas, sejam eles tradutores, envolvidos em atividades militares ou civis, que todos eles foram importantes. Ninguém sofrerá vingança." Ele afirmou ainda: "Milhares de soldados que lutaram contra os talebãs por 20 anos, após a ocupação, todos eles foram perdoados." Checagem de fatos da DW: Falso. A Anistia Internacional afirma que, após uma "onda inicial de assassinatos em represália (…) desencadeada durante a tomada do poder pelo Talebã" e uma "caçada de porta em porta" por supostos "colaboradores" nos dias em que o Talebã tomava o poder em Cabul, parece que os islâmistas não realizaram a temida campanha de vingança contra seus antigos inimigos. No entanto, a Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (Unama) registrou pelo menos 160 execuções extrajudiciais, 178 prisões arbitrárias, 23 prisões em regime de incomunicabilidade ​​e 56 casos de tortura de ex-funcionários do governo e de segurança cometidos pelas autoridades talibãs entre 15 de agosto de 2021 e 15 de junho de 2022. O relatório da Unama sobre direitos humanos no Afeganistão conclui que a anistia foi violada em várias ocasiões.
Esses números não incluem dezenas de execuções extrajudiciais, maus-tratos e prisões arbitrárias de supostos membros do "Estado Islâmico, Província de Khorasan" e da Frente Nacional de Resistência do Afeganistão (NRF, em inglês). A NRF defendeu o vale de Panjshir contra as forças talebãs até setembro do ano passado e ainda está tentando recuperar o controle da região. Em junho, a Anistia Internacional denunciou "o uso de tortura, execuções extrajudiciais e prisão arbitrária de civis (acusados ​​de serem membros da NRF) pelo Talebã na província de Panjshir". Zaman Sultani, um pesquisador da Anistia especialista em sul da Ásia, descreveu essa prática como "um padrão crescente".

Sem ameaça ou represália contra jornalistas

Alegação: Os talebãs prometeram à organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) que não haveria ameaças ou represália a jornalistas. Eles declararam seu compromisso com a mídia imparcial e a liberdade de imprensa – desde que estas não interfiram na "estrutura cultural" do Talebã. Checagem de fatos da DW: Falso. Apenas alguns dias após tomarem o poder em Cabul, os talebãs mataram um familiar de um jornalista da DW enquanto caçavam o repórter. Já em setembro de 2021, a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ, em inglês) informou que Fahim Dashti, chefe do Sindicato Nacional dos Jornalistas Afegãos (Anju, em inglês), foi morto num confronto entre combatentes do Talebã e da NRF. Organizações de direitos humanos dizem não ter provas concretas de que jornalistas foram mortos pelo grupo. No entanto, há poucas dúvidas de que a liberdade de imprensa se deteriorou desde que os talibãs retomaram o poder. Em julho de 2021, as redações afegãs somavam mais de 10 mil funcionários. Em dezembro, restavam apenas pouco mais de 4 mil, segundo um relatório da RSF. Um levantamento realizado pelo Anju e pela IFJ concluiu que 318 meios de comunicação nacionais fecharam suas portas desde que o Talebã retomou o poder. Em janeiro, um porta-voz do Talebã disse à DW que o regime não obrigou o fechamento de nenhum veículo, mas que alguns encerraram suas operações pois ficaram sem financiamento. Na mesma entrevista, ele admitiu que a cobertura midiática no Afeganistão tinha que seguir regras que podiam ser percebidas por países ocidentais como muito restritivas. Em março, o Talebã bloqueou a transmissão de várias mídias internacionais no Afeganistão, incluindo à agência britânica de notícias BBC, Voice of America e a DW. Um mês depois, pelo menos uma dúzia de jornalistas foram presos no Afeganistão, o que levou a ONU a pedir ao Talebã que parasse com as detenções arbitrárias de jornalistas. Segundo o levantamento do sindicato dos jornalistas, a falta de acesso à informação, a autocensura, o medo de represálias e a crise econômica foram os principais motores de um "colapso sem precedentes da mídia afegã". Enquanto um terço dos entrevistados disse que não confiava na mídia local e nacional, quase nove em cada 10 afirmaram que confiavam nas mídias internacionais.

Fim das drogas ilegais

Alegação: Após o Talebã tomar o poder, o porta-voz Mujahid disse: "Estamos assegurando a nossos compatriotas e à comunidade internacional que não produziremos mais narcóticos". Ele lembrou ao mundo que o Talebã havia zerado a produção de drogas à base de papoula em 2000, e pediu ajuda internacional para fornecer culturas alternativas. Checagem de fatos da DW: Não comprovado. Há décadas, o Afeganistão é o maior produtor e exportador mundial de heroína e ópio. Em 2020, o país forneceu cerca de 85% de todos os opióides não farmacêuticos do mundo, de acordo com um levantamento do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Neste ano, o Talebã proibiu o cultivo e a colheita de papoula, ameaçando prender agricultores e queimar seus campos. O mulá Abdul Haq Akhund, vice-ministro do Interior para o combate aos narcóticos, disse à agência de notícias AP que o Talebã estava trabalhando com outros governos e ONGs para encontrar culturas alternativas para gerar renda aos agricultores. Até agora, o Talebã parece estar cumprindo essa promessa e, como Mujahid afirmou, eles têm um histórico positivo. De acordo com um estudo do Banco Mundial, em 2004 a produção de papoula no Afeganistão despencou para quase zero após o Talebã proibir o cultivo em 2000. O cultivo voltou a aumentar depois que os EUA derrubaram o regime no final de 2001. No entanto, especialistas questionam quão eficaz e sustentável é o esforço para erradicar a produção de opiáceos desta vez, apesar de que o sucesso nessa área possa ter um impacto positivo nas relações exteriores. Afinal, o tráfico de drogas é uma parte vital da economia do país, gerando receitas entre US$ 1,8 bilhão e US$ 2,7 bilhões em 2021. O valor total dos opiáceos representou de 9% a 14% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Devido a outros desafios globais e questões substanciais de direitos humanos, a ajuda externa pode ficar aquém das expectativas do Talebã e das necessidades financeiras do país para lidar com a desvantagem econômica por causa do fim da produção de drogas, diz o analista Shehryar Fazli. – Como no passado, a repressão ao comércio de ópio poderia proporcionar aos rivais armados do Talebã a mesma oportunidade de explorar o descontentamento rural que os esforços de erradicação sob a república deram à insurgência talebã – conclui.  
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