Rio de Janeiro, 08 de Dezembro de 2025

Trapaça e Crise na Educação

Análise da mercantilização da educação e o impacto da IA na formação dos estudantes no Brasil.

Segunda, 27 de Outubro de 2025 às 16:19, por: Arlindenor Pedro

Segundo dados recentes do MEC, o número de estudantes em cursos de ensino a distância no Brasil já ultrapassa o de alunos matriculados no ensino presencial, com predominância acentuada nas instituições privadas. Esse dado não é neutro: ele revela o avanço de uma lógica de mercantilização da educação, em que prevalecem a redução de custos, a ampliação de matrículas e a padronização de conteúdos em detrimento da experiência formativa.

Por Arlindenor Pedro – de Itatiaia, RJ

No ambiente do EAD, a relação direta entre professor e aluno se fragiliza, a mediação tecnológica se torna regra e o tempo da aprendizagem se transforma em fluxo acelerado de tarefas e entregas. Nesse cenário, a inteligência artificial aparece não como ruptura externa, mas como prolongamento dessa mesma lógica: o estudante já distante do espaço físico da escola encontra na IA um atalho perfeito para responder demandas acadêmicas cada vez mais abstratas, genéricas e descoladas de sua realidade. O uso da trapaça, longe de episódio casual se torna constante.

Trapaça e Crise na Educação | A EAD tem à disposição os equipamentos eletrônicos mais modernos
A EAD tem à disposição os equipamentos eletrônicos mais modernos

A trapaça, nesse contexto, não é apenas um desvio ético individual, mas um sintoma coletivo da erosão da qualidade do ensino. A ausência de acompanhamento próximo, típica dos cursos em massa oferecidos a distância, favorece o uso acrítico da IA como substituto do esforço intelectual. Em vez de aprender a formular perguntas, investigar e refletir, o estudante é incentivado a entregar respostas rápidas, frequentemente copiadas da máquina, reproduzindo a mesma superficialidade que marca muitos currículos engessados do EAD. O resultado é a acentuação de uma formação precária, onde diplomas proliferam, mas a capacidade crítica, a autonomia intelectual e o vínculo com a realidade se esvaziam.

Essa deterioração não é casual. Ela está inserida no processo mais amplo de esgotamento do capitalismo em sua fase digital-financeira, que desloca a vida humana para a esfera da abstração e da simulação. Na esfera econômica, a financeirização e a digitalização criam valor cada vez mais abstrato e desconectado da produção material. Na esfera social, a mediação das telas e algoritmos converte conhecimento, trabalho e afetos em simulacros. Nesse contexto, o estudante que recorre à IA para entregar uma resposta pronta não age como um desonesto isolado, mas como alguém reproduzindo, em escala micro, a lógica do espetáculo.

Estratégia

O pensador francês Guy Debord, na sua obra A Sociedade do Espetáculo,no século passado, já havia descrito essa transformação: quando a aparência se impõe sobre a realidade e a imagem sobre a vida, a experiência viva é substituída por representações. A fraude escolar, nesse sentido, não é acidente, mas sintoma de uma cultura em que o imediato, o simulacro e a performance têm mais valor do que o esforço paciente da reflexão.

Essa crítica não é apenas brasileira. Em diferentes países, buscam-se saídas para a crise. Nos Estados Unidos, universidades como Princeton e Harvard reformularam avaliações e passaram a privilegiar provas orais, debates e projetos acompanhados de versões sucessivas, além de códigos de ética que obrigam os estudantes a declarar quando utilizam IA em seus trabalhos. O Reino Unido, em Cambridge, segue caminho semelhante, autorizando o uso da IA desde que citada como qualquer outra fonte. A Austrália adota uma estratégia híbrida, retomando exames escritos à mão para reduzir a dependência da máquina, ao mesmo tempo em que investe em alfabetização digital. Na França, o tema ganhou dimensão pública com consultas nacionais para estabelecer diretrizes sobre IA na educação. Já a Finlândia procura integrar a tecnologia em atividades interdisciplinares, nas quais os alunos geram hipóteses com a máquina, mas precisam verificá-las no mundo real.

No Brasil, porém, o debate permanece fragmentado. Algumas universidades ensaiam políticas de uso responsável e escolas privadas experimentam a personalização do ensino, mas no setor público prevalece uma visão defensiva que trata a IA apenas como ameaça à integridade das avaliações. Esse atraso mostra que a questão não é apenas metodológica, mas estrutural: a combinação entre o EAD de massa e o uso fraudulento da IA escancara o esgotamento de um modelo escolar que já não dialoga com a realidade.

Serra da Mantiqueira, outubro de 2025

Arlindenor Pedro

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