Rio de Janeiro, 21 de Novembro de 2024

Trabalhadores rurais voltam a sofrer ameaças em Pernambuco

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Quinta, 20 de Outubro de 2022 às 10:46, por: CdB

A região, que já foi o centro da economia da cana-de-açúcar em Pernambuco nos anos 80, sofreu com a queda da produtividade e com a dificuldade em modernizar as indústrias nas últimas décadas, tendo que mudar o cenário.

Por Redação, com Brasil de Fato - de Brasília

Há cerca 4 anos, as mais de 1,5 mil famílias que vivem e trabalham em engenhos nos municípios de Jaqueira e Maraial, na Zona da Mata Sul de Pernambuco, passaram a viver um pesadelo depois da chegada da pecuária de corte, agora concretizada com o frigorífico Masterboi, inaugurado em agosto na cidade de Canhotinho.
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No Engenho Fervedouro (Jaqueira), cerca de 75 famílias posseiras vivem sob tensão e ameaças

Da cana de açúcar à pecuária

A região, que já foi o centro da economia da cana-de-açúcar em Pernambuco nos anos 80, sofreu com a queda da produtividade e com a dificuldade em modernizar as indústrias nas últimas décadas, tendo que mudar o cenário. Os antigos trabalhadores que antes se dividiam entre as lavouras de cana e o processamento do açúcar acabaram se estabelecendo nas áreas que ficaram ociosas com a queda da produção e a consequente falência das canavieiras. O terreno fértil permitiu que consolidasse uma produção de frutas e legumes que passaram a abastecer a região. Mas os trabalhadores nunca tiveram uma titulação que garantisse a posse ou a propriedade da terra formalmente. Em 2018, a empresa imobiliária “Negócios Imobiliária S.A.” arrendou terras da antiga Usina Frei Caneca, em Jaqueira, e começou a ocupar o local com cabeças de gado pastando na área.

A violência no campo

A pecuária e as empresas que criam gado para o abate estão expandindo e comprando a massa falida das usinas em leilões que são constestados pelos movimentos camponeses. O objetivo é despejar as famílias, as quais registram as ameaças, invasão de casas e destruição de roças. José de Andrade é agricultor e mora no Engenho Fervedouro, em Jaqueira, há 44 anos, e aponta que, desde a introdução da pecuária de corte na região, a violência no campo se tornou frequente. – Tivemos aqui policiamento, capangas, enfrentamos pistolas, arma pesada, foram tantas das coisas que a gente termina esquecendo… Os cachorros que trouxeram também junto com a polícia; os capangas trouxeram cachorros. A gente passou por momentos de terror, momentos pesados mesmo. Tem criança ainda que não pode ver um carro de polícia que já fica amedrontada. A gente mesmo não pode ver um carro de polícia chegar na comunidade que a gente já fica esperando pelo pior –  lamenta o agricultor.

"A gente vai para onde, pelo amor de Deus?"

Em julho de 2020, moradores do Engenho Fervedouro registraram um Boletim de Ocorrência de uma tentativa de homicídio doloso contra Edeilson Alexandre Fernandes da Silva, morador e agricultor do engenho, que levou sete tiros e sobreviveu. Mas, em fevereiro deste ano, os conflitos por terra mataram Jonatas de Oliveira dos Santos, uma criança de nove anos, filho de uma liderança comunitária do Engenho Roncadorzinho, em Barreiros, também na Mata Sul de Pernambuco. Agora, segundo os moradores dos engenhos Fervedouro e Barro Branco, em Jaqueira, existe uma lista com vinte e sete nomes marcados para morrer. Todos são lideranças comunitárias que lutam pelo direito às terras e a vida na região que está a um passo de ser dominada pelas agressões. O Programa Estadual de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) instalou câmeras nas casas de agricultores para tentar reprimir as ações dos seguranças da Mata Sul. Para o agricultor Almir Luiz, residente do Engenho Barro Branco, também ameaçado pelos conflitos, sair da região não é uma opção. – Se a gente sair dessa área de terra a gente vai para onde, pelo amor de Deus? A gente vai para onde? A gente vai poder criar nossos filhos onde? Se nós não nos juntarmos, procurarmos força, pedirmos ajuda a essas entidades que estão aí, a gente talvez não existisse mais aqui. Talvez tivéssemos ido pra outra cidade vizinha e viver uma vida pior que essa que a gente vive aqui e não é isso que a gente quer. A gente quer permanecer na nossa terra, produzir na nossa terra, alimentar nossa família através do que a gente planta nessa área de terra. E, para que isso possa acontecer, o que eu peço, não só eu como todos: reforma agrária! Porque é o direito de posse, direito de tudo, porque a gente tem como provar que somos filhos dessa terra – desabafa o agricultor.

"O conflito é inevitável”, afirma CPT

De acordo com Geovani Leão, coordenador regional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), os conflitos são inevitáveis. “Não tem como não haver conflito, porque, de um lado, os pecuaristas querem a terra desses agricultores e, do outro lado, os agricultores estão defendendo os seus direitos, porque não são invasores, são posseiros, moram lá há muito tempo, produzem, criam, vendem, comercializam, vivem dali, então o conflito é inevitável”, afirma. Mas, segundo o pesquisador, alguns órgãos do Estado estariam contribuindo na luta contra os conflitos no campo. “A própria Defensoria Pública do Estado tem ajudado os agricultores a fazer a defesa, além dos advogados da CPT e da FETAPE que também estão colaborando. Temos também o PPDDH que é o Programa Estadual de Proteção a Defensores de Direitos Humanos que também está ajudando as comunidades, fazendo proteção especialmente de alguns agricultores aqui. E agora esse comitê que o governador criou no Estado, o Comitê Especial de Acompanhamento aos Conflitos Agrários, e, dentro desse comitê, tem um programa que também está acompanhando um pouco mais de perto as comunidades. Esse programa está instalando câmeras de segurança e refletores nas comunidades para, pelos menos, tentar inibir um pouco a ação dessas empresas com capangas armados”, analisa. A reportagem do Brasil de Fato tentou contato com a empresa Masterboi Ltda. para se manifestar sobre os acontecimentos, mas não obteve sucesso. O espaço segue aberto.
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