Sophia não é uma patrulheira espacial como Buzz, mas tem voado cada vez mais longe. Quatro anos após conhecer o tênis de mesa, ela já se tornou a sexta melhor jogadora do mundo na classe 8 da modalidade, voltada a atletas com impedimento moderado nas pernas e (ou) no braço de jogo.
Por Redação, com ABr - do Rio de Janeiro
"Ao infinito e além". A frase icônica do personagem Buzz Lightyear, do filme de animação "Toy Story" (1995), é também um mantra para Sophia Kelmer. A expressão é recorrente nas postagens de Instagram da carioca, de 14 anos, que tem o lado direito do corpo afetado por um acidente vascular cerebral (AVC) intrauterino.
– Eu sempre acredito que você pode ir além, quebrar barreiras. (A frase) É para sempre buscarmos os objetivos, que me motiva muito para continuar trabalhando, todos os dias – explicou a jovem, à Agência Brasil.
Sophia não é uma patrulheira espacial como Buzz, mas tem voado cada vez mais longe. Quatro anos após conhecer o tênis de mesa, ela já se tornou a sexta melhor jogadora do mundo na classe 8 da modalidade, voltada a atletas com impedimento moderado nas pernas e (ou) no braço de jogo. Entre as mesatenistas com 23 anos ou menos, ela só fica atrás da japonesa Yuri Tomono, de 22 anos (oito a mais que a brasileira), que foi às quartas de final da Paralimpíada de Tóquio (Japão). No ranking de duplas femininas, a carioca é a quinta colocada, além de nona nas duplas mistas. Em todas as listas, é o principal nome das Américas.
A jovem compete internacionalmente há menos de um ano, mas já conquistou 11 medalhas, sendo cinco de ouro. A estreia foi em novembro de 2021, em um aberto da Federação Internacional de Tênis de Mesa (ITTF, sigla em inglês) em Voisins Les Bretonneux (França), onde levou o bronze. Depois, foi campeã da Copa Tango, em Buenos Aires (Argentina) - que voltaria a vencer em 2022.
– Com os resultados, acontecem as entrevistas, fazem perguntas, o Instagram bomba mais, mas tento sempre me blindar. Acaba que fico focada em estar feliz jogando tênis de mesa, fazendo o que amo, independente do resultado e do que virá a acontecer, sempre com a cabeça erguida – disse Sophia, que tem o suporte da família para administrar a nova rotina do alto rendimento em meio à adolescência e à velocidade das conquistas.
– Tudo foi muito rápido. No primeiro ano como atleta federada, em 2019, ela foi campeã brasileira. No dia em que fez 12 anos, foi campeã adulta. Hoje, na seleção, a Sophia treina ao lado da Bruna Alexandre (da classe 10, a de menor grau de comprometimento físico-motor, atual número três do mundo), maior medalhista paralímpica do país no tênis de mesa. Há dois anos, era uma coisa tão distante. Agora, elas até se enfrentam numa final [nas duplas mistas do Aberto Paralímpico do Brasil, em São Paulo]. Conversei muito com minha esposa e decidimos apoiá-la em tudo – comentou Henrique Kelmer, pai da jogadora, que a acompanha nas viagens e períodos de treino.
O tênis de mesa não foi o primeiro esporte de Sophia. Entre outras modalidades que praticou na infância, a carioca gostava mesmo de futebol. Segundo ela, porém, ser menina e deficiente física era visto pelos colegas como uma barreira. Foi jogando ping-pong na escola que um novo mundo se apresentou.
– Em certo momento, eu comecei a ganhar jogos, inclusive contra professores e diretores. Eles sugeriram que procurasse uma escolinha, pois tinha talento. (Da escolinha) Fui para o Fluminense, com o (técnico Alexandre) Silva. Por ser um esporte individual, no tênis de mesa eu preciso da minha dedicação para atingir os meus objetivos – contou a mesatenista, que continua treinando no Tricolor, mesmo clube onde surgiu Hugo Calderano, atual número seis do mundo da modalidade entre os homens.
– Fico muito feliz por essa coincidência porque comecei no mesmo lugar, com os mesmos técnicos. (A carreira) Está caminhando de maneira parecida. Ele (Hugo) é um cara excepcional – destacou a jovem.
Mundial à vista
O próximo desafio de Sophia será o Campeonato Mundial paralímpico, entre os dias 6 e 12 de novembro, em Granada (Espanha). No individual, ela terá como uma possível adversária a também brasileira Lethicia Lacerda, número 13 da classe 8 e que representou o país em Tóquio. A carioca está reunida com a seleção brasileira no Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo, até sexta-feira, na última fase de preparação para a competição, realizada a cada quatro anos.
– Tudo aconteceu tão rápido que, às vezes, nem consigo entender que estou indo para um Mundial. Meu objetivo é fazer o melhor, independente do resultado. Claro que tem ansiedade, a gente pensa nas possibilidades, mas preciso ter os pés no chão, dar passinho por passinho. Agora tem o Mundial, no ano que vem os Jogos Parapan-Americanos [em Santiago, capital chilena], para então chegar a Paralimpíada [de Paris, na França], em 2024. Tenho consciência de que tudo tem seu tempo – projetou Sophia.
O Brasil terá 18 atletas no Mundial e metade figura entre os dez primeiros nas respectivas categorias. A equipe feminina possui oito das 11 representantes nessa condição, sendo duas na classe 2 (cadeirantes tetraplégicos) e mais duas na 9 (andantes com impedimento leve nas pernas ou no braço de jogo). Na primeira, estão Cátia Oliveira (terceira) e Juliana Ferreira da Silva (décima). Na segunda, Danielle Rauen (quinta) e Jennyfer Parinos (sétima). Cátia, Danielle e Jennyfer são medalhistas paralímpicas. Israel Stroh, prata nos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016, é o único top-10 entre os homens, em nono na classe 7 (andantes com comprometimento elevado nas pernas e de severo a moderado no membro superior que utiliza para rebater).
A última edição do Mundial foi em 2018, em Lasko (Eslovênia). O Brasil retornou com uma medalha de prata, obtida por Cátia. Foi o melhor resultado individual de um atleta do país na competição.