Rio de Janeiro, 23 de Dezembro de 2024

Tecnologias sociais: os saberes dos comuns

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Quinta, 28 de Setembro de 2023 às 10:28, por: CdB

A tecnologia social representa a convergência da ação comunitária e da expertise acadêmica para resolver desafios sociais de forma participativa, acessível e replicável.


Por Carlos Seabra – de Brasília


Tecnologia social é um conceito que engloba produtos e técnicas ou metodologias, facilmente aplicáveis e reaplicáveis, que resolvam problemas sociais locais, idealmente sendo desenvolvidas em interação com a comunidade. O foco prioritário deve ser o que é interesse comum a todos




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A tecnologia social representa a convergência da ação comunitária

Toda a tecnologia social deve ser planejada para combater algum problema que afete os indicadores do IDH (que mede a qualidade de vida da população a partir dos eixos de educação, expectativa de vida e renda) ou outros objetivos com alguma forma de mensuração. A abordagem não pode ser meramente idealista, precisa ter metodologia científica e escopo social.


O ideal é que as tecnologias sociais tenham os componentes: participação da comunidade, organização social, baixo custo, sistematização, replicabilidade, acompanhamento e avaliação. Mas este cenário ainda é difícil de ser encontrado, pois boa parte das tecnologias sociais não apresentam todos os requisitos, e nem por isso elas devem deixar de ser reconhecidas como tal. Não se deve cometer o erro de criar um molde e tentar colocar os projetos nele para que possam ser chamados de tecnologia social. Também é importante não cair no extremo oposto: chamar qualquer projeto de tecnologia social. O fundamental é atender a pelo menos alguns desses critérios.


É essencial haver metodologias de acompanhamento de resultados e indicadores que os avaliem e considerem quais melhorias e adaptações precisam ser feitas antes de replicar determinadas tecnologias sociais.



População


O engajamento da população beneficiada também deve ser enfatizado pois contribui para a apropriação cidadã da tecnologia social. A população beneficiada deve ser informada sobre o impacto das iniciativas, de modo claro e didático, por meio de estatísticas, mapas e gráficos. Se os resultados não são oferecidos à comunidade, ela não é educada para participar de um processo no qual atua, idealmente, em todas as etapas, e sem isso não há real apropriação, o que pode afetar seriamente a sustentabilidade, outro eixo importante.


Outro aspecto a considerar é a criação de patentes na replicação de soluções sociais, o que é ao mesmo tempo um risco e uma necessidade. Precisamos de um “copyright social”, alguma forma de Creative Commons ou coisas do gênero que garantam a apropriação do saber social por todos, sem restrições ou entraves.



Poder público


A aplicação de tecnologia social pressupõe uma atuação conjunta do poder público com a sociedade (incluindo até organizações que poderiam ser vistas como concorrentes no mercado). A complementaridade de recursos e competências deve ocorrer sem a preocupação sobre a paternidade da ideia, quem vai aparecer mais ou deter a patente.


A tecnologia social não incorpora necessariamente as sofisticações da ciência e tecnologia, mas também não as renega. Em uma empresa, quanto menos mão de obra, melhor. O mesmo não ocorre com a tecnologia social. Um de seus objetivos é o envolvimento do maior número possível de pessoas. Essa diferença não transforma o produto ou processo automatizado em um vilão, um gerador de desemprego. Seria um raciocínio muito simplista. Envolver um grande número de pessoas não é um culto ao trabalho pelo trabalho, mas uma forma de desenvolvimento. Seu objeto é o crescimento humano e não o produto em si.


A origem da tecnologia social, que tem se desenvolvido com altos e baixos nos últimos vinte anos, está na associação do pensamento acadêmico à ação coletiva da comunidade. A humanidade faz tecnologia social desde que começou a andar em duas pernas. Ele busca soluções locais como fez Robson Crusoé. O papel da academia é identificá-las e refiná-las. Assim, as comunidades são despertadas para o protagonismo e cada uma constrói o seu próprio caminho na aplicação local.


As tecnologias sociais podem abordar uma ampla gama de questões sociais, como educação, saúde, moradia, segurança alimentar, sistemas de purificação de água de baixo custo, métodos agrícolas sustentáveis, programas de alfabetização, sistemas de energia renovável, projetos de habitação acessível, inclusão digital, geração de empregos, memória e histórias de vida, entre outras.


A tecnologia social não se limita a tecnologias digitais ou eletrônicas; ela engloba uma ampla gama de abordagens e soluções que visam melhorar a qualidade de vida das pessoas e criar um impacto positivo na sociedade. É também uma oportunidade para enfrentar os desafios sociais e ambientais que muitas comunidades enfrentam em todo o país, organizando-as politicamente.


 

Carlos Seabra, é diretor da Oficina Digital, criador de jogos de tabuleiro e digitais, autor de livros de literatura infantil e juvenil. Editor de publicações e produtor de conteúdos culturais e educacionais de multimídia e Internet, palestrante, consultor e coordenador de projetos culturais e de tecnologia educacional.


As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil




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