Até então, a interrupção da gravidez era permitida somente na Cidade do México e em três outros Estados durante as primeiras 12 semanas de gestação. Os demais 28 Estados criminalizam o aborto, exceto em alguns casos, como estupro e risco de morte da mãe.
Por Redação, com DW - da Cidade do México
A Suprema Corte do México determinou na terça-feira que criminalizar o aborto é inconstitucional, em uma decisão considerada histórica por ativistas dos direitos das mulheres no conservador país latino-americano.
A votação unânime abre caminho para que mulheres em todo o território mexicano tenham acesso ao aborto sem medo de ser alvo de processos e possíveis prisões.
– É mais um passo na luta histórica pela igualdade, dignidade e o pleno exercício dos direitos (das mulheres) – afirmou o presidente da Suprema Corte, Arturo Zaldívar.
Ele destacou que "a partir de agora não será possível, sem violar os critérios do tribunal e da Constituição, processar qualquer mulher que realizar um aborto nos casos que este tribunal considerou válidos".
No México, 77 bebês nascem por ano para cada mil mulheres entre os 15 e os 19 anos. O governo calcula que mais de 800 mil abortos clandestinos sejam feitos no país todos os anos.
Até então, a interrupção da gravidez era permitida somente na Cidade do México e em três outros Estados durante as primeiras 12 semanas de gestação. Os demais 28 Estados criminalizam o aborto, exceto em alguns casos, como estupro e risco de morte da mãe.
Como funciona a decisão
O julgamento na Suprema Corte foi motivado por uma contestação constitucional ao código penal do estado de Coahuila, fronteiriço com o Estado do Texas, nos Estados Unidos, que recentemente proibiu o aborto em seu território após seis semanas de gestação.
O tribunal decidiu, por fim, que criminalizar o procedimento viola a Constituição mexicana. Assim, os estados que hoje o criminalizam podem também legalizar o procedimento e não podem de forma alguma puni-lo.
Segundo especialistas, o entendimento da corte, por mais que se refira a um estado, abre jurisprudência e permite que mulheres em todo o país, mesmo em locais onde o aborto seja criminalizado, tenham acesso ao procedimento por ordem de um juiz.
– A mulher deve solicitar (aos serviços de saúde) a realização do aborto – explicou Alex Alí Méndez, advogado constitucional e especialista em questões de aborto, à agência de notícias AFP. "Se eles negarem, ela pode se apresentar a um juiz, e o juiz ordenará que o aborto seja realizado."
No México, os estados têm autonomia para ditar suas leis, mas estas são invalidadas se violarem as decisões da Suprema Corte que estabeleçam jurisprudência, como a decisão desta terça-feira.
"Decisão histórica"
O Grupo de Informação sobre Escolha Reprodutiva (Gire), organização feminista que faz campanha pelo direito ao aborto seguro, saudou o que chamou de "decisão histórica".
"Esperamos que em todo o país as mulheres e pessoas com capacidade de engravidar tenham as condições e liberdade para determinar seu destino reprodutivo", afirmou o grupo, destacando que o aborto inseguro é a quarta causa de morte materna no México.
Já a advogada e ativista Veronica Cruz, diretora do coletivo Las Libres, afirmou que a decisão do tribunal "derruba barreiras" ao enviar a mensagem de que mulheres não podem ser punidas por se submeterem ao aborto.
Atualmente não há mulheres presas por terem feito aborto no México, mas estão em curso cerca de 4.600 investigações envolvendo o tema, afirma Cruz, cuja organização ajudou a libertar as últimas mulheres encarceradas por esse motivo.
Apesar da decisão da Suprema Corte, a ativista acredita que o movimento feminista terá que manter a pressão sobre as legislaturas estaduais para que mudem também suas leis porque, enquanto elas existirem, alguém vai tentar punir as mulheres, afirma.
Tema controverso num país conservador
Neste ano, dois estados mexicanos, Veracruz e Hidalgo, descriminalizaram o aborto nas primeiras 12 semanas de gravidez. Antes disso, interromper a gestação só era legal na Cidade do México, desde 2007, e no estado de Oaxaca, no sul do país, desde 2019.
O assunto permanece controverso no país fortemente católico. Na terça-feira, antes da decisão da Suprema Corte, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, evitou perguntas sobre o assunto em sua entrevista coletiva diária.
O chefe de Estado disse que não seria sensato tomar partido por se tratar de uma questão polêmica e, portanto, seria melhor que a Suprema Corte se encarregasse do tema.
Entre os países latino-americanos, o aborto está legalizado somente no Uruguai, Cuba, Argentina e Guiana, até a 14ª semana de gestação.