Rio de Janeiro, 24 de Abril de 2025

Saúde mental na escola: precisamos olhar para os valores da convivência

Por Hamilton Harley - O reconhecimento da produção social do sofrimento na escola nos desafia a romper com mecanismos de desigualdade do cotidiano escolar.

Quarta, 26 de Fevereiro de 2025 às 09:57, por: CdB

O reconhecimento da produção social do sofrimento na escola nos desafia a romper com mecanismos de desigualdade do cotidiano escolar.

Por Hamilton Harley – de Brasília

As questões de saúde mental no ambiente escolar têm preocupado educadores, estudantes, famílias e a sociedade como um todo. Embora faltem dados nacionais, a percepção é de aumento nos casos de ansiedade, depressão, automutilação e até tentativas de suicídio entre estudantes. Segundo o Unicef, 16 milhões de adolescentes na América Latina e Caribe vivem com algum transtorno mental. No Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) 2021, dois a cada três estudantes relataram sintomas de ansiedade e depressão; 18% se sentiam esgotados e sob pressão.

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As questões de saúde mental no ambiente escolar têm preocupado educadores, estudantes, famílias e a sociedade como um todo

No Instituto Vladimir Herzog, temos investigado essa crise sob uma perspectiva educacional. Nossa pesquisa-ação na Rede Municipal de São Paulo, consolidada no relatório preliminar “Educação em Direitos Humanos: Convivência Escolar e Saúde Mental”, indica que o sofrimento não é apenas individual e de saúde, mas também resultado de fatores sociopolíticos. Logo, a atual crise nos convoca a atuar no fortalecimento dos valores democráticos e dos direitos humanos, na perspectiva da construção de uma sociedade baseada na promoção da igualdade de oportunidades e da equidade, na valorização da diversidade e na consolidação de uma cultura democrática e cidadã.

Em evento realizado pelo Instituto Vladimir Herzog e pelo Instituto Sedes Sapientiae em novembro, a psicanalista Adela Gueller destacava o “efeito despatologizador” da pesquisa, enfatizando a importância de olhar coletivamente para o sofrimento antes de se buscar diagnósticos de transtornos de saúde mental. No mesmo sentido, Christian Dunker alertava contra uma tendência de “burocratização” da saúde mental, reduzindo-a a laudos médicos. Para ele, a escola não pode negligenciar o sofrimento que antecede esses quadros, por ser um espaço de convivência e diálogo.

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Ambiente escolar

Nosso relatório traz exemplos concretos de como a produção social do sofrimento acaba reproduzida no ambiente escolar. Recordo minha própria vivência nos anos 1990. Criança de uma comunidade tida como perigosa, tive o real lugar de insegurança no espaço escolar, sendo uma criança LGBT. Em um episódio extremo, reagi a violências empurrando uma carteira contra os agressores. Fui tido como um aluno violento e punido. Compartilho essa memória pois nos ajuda a refletir sobre o papel da escola para romper ciclos de violência e sofrimento, identificados pela nossa pesquisa.

O relatório mostra ainda percepções distintas sobre o sofrimento no ambiente escolar. Professores geralmente atribuem os problemas dos alunos a fatores externos, enquanto estudantes apontam o próprio ambiente escolar como fonte de angústia. Curiosamente, profissionais das equipes de limpeza e organização são citados como referência de acolhimento por estudantes, sem reconhecimento formal desse papel.

Os achados reforçam a necessidade de uma visão ampla e uma abordagem pedagógica que analise coletivamente as causas do sofrimento, evitando que educadores se sintam impotentes e sobrecarregados. A verdade é que tanto estudantes quanto educadores anseiam por um ambiente escolar acolhedor, de escuta e pertencimento. A Educação em Direitos Humanos se apresenta como chave crucial para a transformação, considerando os valores que permeiam as dinâmicas escolares.

Em relação às minhas experiências pessoais dos anos 1990, vejo que avançamos. Hoje é possível relacionar convivência escolar e saúde mental, vislumbrando caminhos coletivos. O reconhecimento da produção social do sofrimento na escola nos desafia não só a romper com mecanismos sociais de desigualdade presentes no cotidiano escolar como nos convida a fazer isso de forma cotidiana, permanente, intencional e coletiva.

 

Hamilton Harley, é pedagogo, doutor em Educação e coordenador executivo de Educação em Direitos Humanos no Instituto Vladimir Herzog.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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