Foi alentadora a retomada das palestras que eu fazia com muita frequência no período 2006-2012 e depois foram se tornando mais escassas, até acabarem de vez com a chegada da pandemia.
Durante quase quatro horas conversei com a juventude animada e combativa de um bairro operário de Santo André, no Centro de Cultura Social Vira-Lata Caramelo.
Por Celso Lungaretti - de São Paulo
E percebi que há vida e há esperança fora do universo da política institucional e da esquerda que trocou a transformação em profundidade da sociedade pela conquista de migalhas de poder coonestando as eleições de cartas marcadas da democracia burguesa.
Afora responder às perguntas sobre o que foi a luta armada nos anos de chumbo e como eram alguns dos seus principais personagens (aqueles que conheci pessoalmente), procurei dar uma ideia de como foi sacrificada a trajetória dos que pegamos em armas para resistir à tirania e ao terrorismo de estado.
É algo que relatos apologéticos e heroicistas geralmente escamoteiam, mas eu faço sempre questão de enfatizar, não para desestimular ninguém (longe disto!), mas para que as novas gerações saibam os horrores que eventualmente terão de enfrentar; e, se adiante tiverem a mesma encruzilhada pela frente, decidirem conscienciosamente se deverão avançar ou não.
Tomei conhecimento:
— de que, minimizadas ou ignoradas pela grande imprensa, têm ocorrido escaramuças localizadas em várias localidades do território brasileiro; e— que elas exercem um previsível fascínio sobre os esquerdistas que já não se conformam em eleger Lula para barrar Bolsonaro e, indiretamente, entregarem o poder para o centrão, que já o detinha antes e continua detendo hoje.
Lembrei que a organização brasileira mais capacitada para travar a luta armada em todos os tempos, a VPR, não conseguiu resistir à esmagadora superioridade em efetivos e recursos da repressão ditatorial.
Daquela vez, a luta armada ainda engatinhava, mas a assinatura do hediondo AI-5 a colocou repentinamente como a única possibilidade de combatermos efetivamente o arbítrio desembestado. E acabou sendo fatal deixarmos o inimigo escolher por nós o momento da batalha.
Então, a minha recomendação aos que estão vindo depois de nós é a de que direcionem prioritariamente os esforços para engajar novos contingentes na perspectiva anticapitalista, pois é fundamental forjarmos uma nova esquerda para substituir a que caducou; e de que evitem pacientemente tomar a iniciativa de provocar enfrentamentos nos quais a correlação de forças seja desfavorável para nós.
Mas, não a ponto de se dar a outra face quando agredido ou resistir pacificamente quando baleado. Todos temos o direito de nos defender da violência bestial da extrema-direita atual da mesma forma como somos atacados (não devemos, contudo, ultrapassar tal medida, pois aí seria fazermos o jogo do inimigo, fornecendo-lhe valiosos trunfos propagandísticos).
Afinal, estamos numa fase que, nos velhos tempos, qualificaríamos de defensiva estratégica. Na qual, repito, é de máxima importância levarmos sempre em conta a correlação de forças. (Publicado originalmente no blog Náufrago da Utopia)
Por Celso Lungaretti, jornalista, escritor, militante nos Anos de Chumbo contra a Ditadura Militar.
Direto da Redação é um fórum de debates publicado no jornal Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.