Marketing digital do Comando Vermelho impulsiona vídeos com armas, luxo e poder, dribla moderação das plataformas e amplia alcance do tráfico para além das favelas.
Por Redação, com Agenda do Poder – do Rio de Janeiro
A presença das facções criminosas nas redes sociais tem criado um novo ambiente de cooptação, influência e propaganda, especialmente sobre jovens. O fenômeno, identificado por autoridades de segurança, mostra que grupos como o Comando Vermelho (CV) transformaram plataformas digitais em uma vitrine de poder, riqueza e pertencimento.

A análise de postagens feitas após a megaoperação policial nos complexos da Penha e do Alemão, que deixou 117 mortos, aponta que criminosos utilizam as redes para exibir armas, drogas, dinheiro e cenas de ostentação. Fotos e vídeos publicados por integrantes e simpatizantes circulam com centenas de milhares de visualizações.
Estratégia de marketing criminal
Para o subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança do Rio, delegado Pablo Sartori, o uso das redes por facções é deliberado e estratégico.
– Organizações criminosas como o Comando Vermelho buscam projetar, para além de seus territórios, uma imagem positiva de liberdade e de vida de luxo. Criminosos posam em motos e carros caros roubados, vendendo a falsa ideia de que o tráfico é a única forma de mudar de vida – afirma.
Ele explica que as homenagens a integrantes mortos, com expressões como “saudades eternas”, fazem parte dessa narrativa de sedução, reforçando a ideia de cuidado e pertencimento. “É um marketing direcionado à sociedade”, diz.
De acordo com Sartori, as equipes de inteligência do estado monitoram as contas associadas ao CV e outras facções. Quando identificam postagens de apologia ao crime, relatórios são enviados às polícias Civil e Federal para abertura de investigações.
Perfis codificados e hashtags de facções
Entre os conteúdos monitorados, aparecem perfis de jovens e adultos que adotam a alcunha “bebel” para divulgar rotinas ligadas ao crime, exibindo celulares, joias e objetos roubados. Muitos perfis trazem combinações numéricas como “55” e “57”, referência aos artigos de furto (155) e roubo (157) do Código Penal.
O monitoramento da imprensa identificou contas no Instagram e no TikTok com dezenas de milhares de seguidores. Em uma delas, vídeos de criminosos circulando armados em vielas de comunidades acumulam centenas de milhares de visualizações.
Para evitar derrubadas pelas plataformas, autores borram armas, cortam enquadramentos ou colocam figurinhas sobre fuzis. Em alguns casos, recorrem a vídeos editados e estéticos inspirados em produções de cultura pop.
Hashtags organizam conteúdos de facções, como “tropa do urso”, referência ao traficante Edgar Alves de Andrade, o Doca, líder do CV na região da Penha. Outras publicações estimulam ataques a rivais, associando emojis de fogo a símbolos que remetem aos chefes do Terceiro Comando Puro (TCP).
Recrutamento de jovens passa pelo ambiente digital
Com 34 anos de atuação na área, o procurador de Justiça Márcio Mothé afirma que o recrutamento de adolescentes pela internet se tornou mais sofisticado.
– O início na vida do crime é na adolescência, numa escalada. A ideia é de glamour: mulheres, dinheiro, poder – explica. Segundo ele, as redes sociais ampliam o alcance dessa sedução ao romantizar a rotina do tráfico.
O analista de segurança Alessandro Visacro, autor de “A guerra na era da informação”, destaca que as facções transformaram as plataformas digitais em ambientes de construção ideológica.
– Qualquer jovem quer ter mais seguidores nas redes. E o crime tem se aproveitado desse espaço cibernético. Há quem use para aplicar golpes, mas outros o exploram com base na cultura criminal – afirma.
Segundo especialistas, esse tipo de comunicação cria uma estética própria, reforça identidades coletivas do crime e contribui para naturalizar a violência entre adolescentes.
Resposta das plataformas
Diante dos perfis identificados, o TikTok informou ter removido todas as contas enviadas pela reportagem por violarem as Diretrizes da Comunidade. A plataforma afirma combinar inteligência artificial e revisão humana para detectar conteúdos proibidos.
A Meta, dona do Instagram, também disse que não permite publicações que “glorifiquem, apoiem ou representem organizações e indivíduos perigosos”. Segundo a empresa, os perfis citados foram removidos e novas tecnologias estão sendo adotadas para identificar comportamentos suspeitos.
Debate sobre responsabilização
Especialistas ressaltam que a discussão não se limita ao conteúdo publicado, mas também aos impactos concretos na segurança pública. Para esses analistas, as redes sociais ampliam a capacidade das facções de recrutar jovens, organizar ações e manter influência fora das áreas tradicionalmente dominadas.
Autoridades defendem que as plataformas reforcem mecanismos de detecção, que o marco regulatório avance e que políticas de prevenção sejam ampliadas, com foco em adolescentes expostos a esse universo digital.