O diagrama que o jornalista e sociólogo Laurindo Lalo Leal Filho publicou neste domingo, em uma rede social, demonstra com precisão milimétrica a correlação de forças exercida pela mídia conservadora em favor de seus interesses.
Por Gilberto de Souza - do Rio de Janeiro
Quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi preso naquele fatídico sábado, dia 7 de abril de 2018, após um ensaio de resistência na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista em que ele e seus companheiros passaram a noite em claro antes da via dolorosa até a sede da Polícia Federal paranaense, onde o hoje novamente líder absoluto nas pesquisas de opinião para as próximas eleições passou 580 dias encarcerado, o conjunto de rádios, jornais e canais de TV de propriedade de algumas poucas famílias brasileiras cobria os fatos com sofreguidão. O assunto ocupou parcela majoritária das editorias de Política, na época, por semanas a fio.
Mas agora, quando a Justiça encerra de uma vez por todas a farsa que parece ter sido planejada nos porões da inteligência norte-americana e levada a cabo por um juiz caipira e seus comandados, em uma trama de deixar Hollywood embasbacada, o assunto mereceu o rodapé das primeiras páginas. Em alguns casos, nem isso.
Depois de preso, injusta e ilegalmente, Lula não pode dar um pio. Mas o magistrado considerado suspeito e incompetente pela Corte Suprema de Justiça do país, ator de segunda na peça teatral que resultou em mais uma década perdida para a imensa maioria dos brasileiros, grasna nervoso em sua defesa nos mesmos canais que sustentaram aquele blefe que, até agora, deu certo.
Ultradireita
Tal fato foi desenhado, com exatidão, na mensagem do jornalista Laurindo Lalo Leal Filho em uma rede social, neste domingo. Sociólogo, escritor e professor universitário, Lalo Filho traça a correlação de interesses da mídia conservadora com as massivas forças da ultradireita, até hoje no comando muito mais do que apenas do governo, mas de parcela vital da sociedade brasileira.
Não é simples, fácil ou agradável a tarefa de demonstrar aqui, no Correio do Brasil, como o jornalismo serve ao capitalismo e muitos jornalistas — aqueles de que fato comandam um jornal — obedecem aos seus patrões de maneira sabuja até, na defesa do sistema que os oprime a todos, até mesmo àqueles que se consideram independentes mas que colaboram com o conservadorismo impresso, falado e televisado.
O quadro em que a Folha de S. Paulo (FSP) abre em manchete a vitória do golpe contra a democracia brasileira, ao conseguir que Lula fosse afastado da corrida presidencial, comparado à chamadinha no rodapé da capa, no entanto, elucida o que é e o que não é notícia para o comando deste país. O que interessa, o que interessa pouco e o que não interessa de forma alguma aos seus leitores.
Aviso claro
Convenhamos. Nenhum dos editores da FSP ou de lugar algum — salvo as raríssimas exceções — arriscaria seu contracheque em um assunto que não interessa aos leitores. E quem sabe o que interessa aos leitores, nesse tipo de empresa jornalística, é apenas um: o patrão. O dono. O proprietário, que paga o salário no fim do mês.
Trata-se de uma cadeia escalar engatada em que cada gomo da corrente liga-se à catraca movida por uma razão objetiva, que é o dinheiro depositado na conta de todos que têm aquele crachá pendurado no pescoço, com IMPRENSA escrito geralmente em vermelho e na diagonal. Bem chamativo. Um aviso claro de que aquilo se trata do quarto poder. Inebriante, em alguns casos.
Dessa maneira, transformam-se colunistas que foram torturados pela ditadura em defensores da iniquidade; sacripantas em imortais e velhacos em colunistas reverenciados lá entre eles mesmos. Ganham prêmios glamurosos em noites (pré-pandemia) memoráveis, são fotografados com sorrisos largos e sempre aquela expressão de “viu como somos bacanas?”.
Estocolmo
O que importa mesmo, no entanto, para a maioria, é que o final do mês está garantido: “A empresa é séria e deposita certinho, todo dia 5”. Até quando demitem, cumpre o estritamente definido pela legislação cada vez mais permissiva, tanto que muitos colocados no olho da rua pelas mais diferentes razões, justas ou não, permanecem próximos aos seus algozes, em uma variante qualquer da síndrome de Estocolmo. Acontece muito.
E para tanto, ou seja, ter recursos suficientes e bancar os vencimentos dessa turma toda, ainda prover o triplo da despesa em lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização, (Ebitda, na sigla em inglês), o mercado publicitário garante que as multinacionais e seus satélites nativos contribuam de forma decisiva — com anúncios, patrocínios, projetos especiais etc — com a vida daqueles veículos de comunicação que lhes sejam úteis. Aqueles que, na prática, possam evitar que Lula volte ao poder e reavalie, por exemplo, a reforma trabalhista e a legislação quanto à publicidade. São a corrente e a catraca funcionando em exatidão plena.
Parece óbvio que as companhias digam o contrário, no dilema do ovo ou da galinha, ou seja, que recebem os recursos publicitários porque têm maior audiência e vice-versa. Basta olhar do lado de fora, em comparação a outras experiências jornalísticas em curso, no mundo — e não vamos tão longe quanto aos países socialistas, mas ao Reino Unido, Alemanha, França — em que essa tramóia foi neutralizada por uma legislação objetiva quanto ao funcionamento dos órgãos de imprensa. Alguns donos de jornais têm urticárias ao ouvir falar em “regulação” do que quer que seja.
Batata quente
Nesse ponto, até a presidenta deposta Dilma Rousseff (PT) anda dando a mão à palmatória, ao não repetir mais que a melhor forma de regular a mídia seria “o controle remoto”. Ela, extremamente mal aconselhada, em lugar de desmontar a armadilha que o brilhante professor Lalo Leal Filho revelou naquela simples comparação, preferiu fazer uma omeleta no programa matinal da TV que lideraria sua queda.
Mesmo Lula que, embora tenha iniciado a luta por uma mídia mais democrática com o ministro Franklin Martins, deixou a batata quente para sua sucessora e o resto é História. Embora ainda não tenha se declarado candidato a um terceiro turno, o ex-presidente voltou dia desses a tocar na regulação da mídia, o que demonstra que compreendeu, agora, o exato poder dos meios de comunicação junto à sociedade brasileira. Do mundo inteiro afinal, posto que Aristóteles já havia dito, três séculos antes de Cristo, que o homem é um animal político.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do jornal Correio do Brasil.