É o relatório mais esperado e mais explosivo da ONU destes últimos anos. Hoje, no final do expediente da ONU em Genebra, a maioria dos correspondentes internacionais estavam com seus computadores ligados no site do Alto Comissariado dos Direitos Humanos, aguardando a publicação do relatório sobre a situação da população uigur, relatada pela equipe da ex-presidente chilena Michelle Bachelet e agora também ex-alta comissária da ONU.
Por Rui Martins, Genebra
Desde a viagem à China, em maio, Michelle Bachelet vinha sofrendo pressões de dois tipos: a dos ocidentais principalmente dos Estados Unidos, para contar com clareza e veracidade a situação em que vive a minoria muçulmana uigir, de cerca de um milhão de chineses, habitando a região de Xinjiang; e a da China que, embora tivesse aceitado convidar Bachelet para entrar nas cidades de Kashgar et Urumqi, na região de Zinjiang, para fazer suas pesquisas sobre a situação dos direitos humanos da população, usava de sua pressão na ONU para evitar a publicação do relatório.
E é verdade, quase que o relatório ficou inédito. Esperado em julho, o OHCHR, as siglas do Alto Comissariado dos Direitos Humanos da ONU, nada publicou, gerando decepção e críticas. Ainda há uma semana, na última entrevista coletiva de Michelle Bachelet com os correspondentes internacionais, mesmo sob pressão, ela não garantia a publicação do relatório. A confirmação da publicação veio hoje (31/08), com o porta-voz do OHCHR, Jeremy Lawrence: "sairá no fim do dia". Pode-se dizer ter chegado na última hora essa confirmação, pois para muitos órgãos internacionais o Alto Comissariado perderia muito de sua credibilidade se tratasse a China com mansuetude.
Por que a publicação desse relatório se tornou essencial para a própria respeitabilidade do OHCHR e para a credibilidade de seus outros relatórios sobre diversos países, como Brasil acusado de ter racismo sistêmico, com problemas de direitos humanos? Porque, partindo de documentos oficiais chineses, de testemunhos e de análises de estatísticas, o relatório afirma que a China isolou, como se tivesse internado em campos, cerca de um milhão de pessoas iugur, sujeitas à pratica de esterilizações e abortos "forçados" e a trabalhos forçados.
A China desmente essas conclusões do relatório, refuta quaisquer tipos de esterilizações forçadas, embora admita aplicar na região de Xinjiang uma política de controle de natalidade. Nega haver trabalhos forçados e sim escolas de formação profissional. No passado, a região de maioria muçulmana era alvo constante de atentados provocados por extremistas religiosos. (Por Rui Martins, Genebra)Rui Martinsé jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.Direto da Redaçãoé um fórum de debates publicado no jornal Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.