Rio de Janeiro, 21 de Novembro de 2024

O jovem Eremias Delizoicov não fugiu à luta

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Quarta, 28 de Outubro de 2020 às 10:51, por: CdB

Já lá se vão 51 anos que Eremias Delizoicov, meu bom amigo, colega desde o curso primário, companheiro de movimento estudantil e de militância revolucionária, foi assassinado aos 18 anos de idade por quatro torturadores da PE da Vila Militar (RJ), após ser cercado na Vila Kosmos, bairro da Zona  Norte carioca, e travar com eles longo tiroteio, até que invadiram a casa onde ele resistia e o atingiram, segundo o noticiário da época, com 35 tiros, desfigurando-o a ponto de ficar irreconhecível.

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Uma época feita de jovens heróis Procurados pela polícia da ditadura Homenagem a Eremias Delizoicov
Só hoje me dei conta de um detalhe que durante todo esse tempo não me ocorreu:: a proximidade entre meu 20º aniversário (no dia 6 de outubro) e a sua morte (16 de outubro). Talvez porque, como desta vez me tornei septuagenário, a data foi um tanto marcante para mim, enquanto nos outros anos nunca lhe dera  grande importância.
E também porque aquele foi um período cheio de acontecimentos muito marcantes para mim: a luta interna na VAR-Palmares, entre a segunda quinzena de agosto e a primeira de setembro (conforme recentemente relatei aqui); a separação traumática dos que permaneceram na VAR; e a designação e partida para a primeira área cogitada para a instalação de uma escola de guerrilha na região de Registro (interior paulista).
Integrando a equipe precursora de uma empreitada vital para a Organização, não tinha sequer noção dos dias do mês que transcorriam. Então, é quase certo que o 6 de outubro tenha me passado despercebido e nem fiquei sabando que o Eremias havia morrido no dia 16, pois a informação nos chegou com uma semana ou mais de atraso. E como doeu!
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Desde meu ingresso na VPR, em abril/1969, haviam morrido o Carlos Roberto Zanirato, que eu não cheguei a conhecer mas de quem tanto falaram outros companheiros, em 29 de junho; e o João Domingues da Silva, meu companheiro no Comando Regional de São Paulo, com quem sempre me encontrava nas reuniões, até ele ser baleado e preso em 30 de julho e morrer em 23 de setembro de hemorragia por terem-no torturado antes de estar restabelecido.
Com o Eremias, chegou a vez dos que me eram muito próximos e queridos, além das inevitáveis dúvidas sobre se ele estava realmente preparado para o destino ao qual o conduzi.
[Não sendo ele dirigente nem possuindo informações que pudessem causar a queda de companheiros, além de dificilmente a prisão dele poder passar despercebida para nós depois do longo tiroteio que ele travou, sua opção pelo sacrifício final me desconcertou e  abalou ao extremo.]
Passei o resto da vida lamentando tudo de que ele foi privado ao morrer tão cedo. Passei anos infernais, primeiramente no inferno dos porões, depois (quando voltei às ruas) tentando achar motivos para continuar vivendo. Parecia-me que teria sido melhor mesmo não sobreviver à derrota, como havia decidido, e amaldiçoei os acasos que me mantiveram vivo.
Mas, de um jeito ou de outro, fui reconstruindo a vida. Fiz uma razoável carreira, apesar de prejudicado por fatores adversos como os temores que meu passado inspirava nos empregadores e os escrúpulos que minhas convicções me impunham, obrigando-me a não fazer aquelas concessões ao sistema que a maioria considera normais), tive uniões fugazes ou longas com mulheres, criei uma filha adotiva e depois tive outras duas biológicas, acabei até esclarecendo a verdade sobre as injustiças que sofrera quando não podia me defender.
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Isto me fez perceber que, jovens como éramos, ainda havia vida para vivermos depois de nossos sonhos terem sido destruídos de forma tão terrível. E que, lembrando os versos da Começar de novo do Ivan Lins, valeu muito a pena ter sobrevivido.
O que me faz lamentar ainda mais a morte precoce dos secundaristas que ingressaram comigo na VPR e não sobreviveram (o Gerson Theodoro de Oliveira e o Massafumi Yoshinaga), bem como do suicidado Roberto Macarini (este, nosso aliado).
Nunca, contudo, considerarei desperdiçado o preço que cada um de nós pagou por travar travando uma guerra em que nossa inferioridade de forças e recursos tornava a vitória impossível.
É que, num país no qual, ao longo dos tempos, tão poucos têm sido os filhos seus que não fogem à luta e tantas vezes as derrotas mais inaceitáveis foram engolidas resignadamente, alguns milhares ousamos travar o combate nas trevas dos anos de chumbo.
Alguém tinha de deixar tal exemplo para os pósteros, depois de um ano tão revolucionário como o de 1968. Nós deixamos.
Este mérito ninguém jamais nos há de tirar. (Celso Lungaretti)
Sobre o mesmo assunto, acesse
https://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2017/11/como-morreu-aos-18-anos-o-meu-amigo.html um um post meu de 2017 a respeito do Eremias, incluindo a mensagem que recebi de um vizinho da casa na qual ele foi assassinado; e acesse também, o dossiê da
Comissão da Verdade paulista a seu respeito:
http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/mortos-desaparecidos/eremias-delizoicov
https://youtu.be/wsvAORqL_EQ
Por Celso Lungaretti, jornalista, secundarista sobrevivente da Ditadura militar.
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