Putin é o presidente da Ucrânia? Trump é o vice-presidente dos EUA? De acordo com recentes gafes cometidas por Joe Biden, sim. O presidente estadunidense vem sofrendo severas críticas quanto à sua condição física e mental após sucessivas frases infelizes e, sobretudo, após sua desastrosa participação no primeiro debate presidencial com seu adversário – e não seu vice! – Donald Trump.
Por David Emmanuel Coelho, editor do blog Náufrago da Utopia.
No fim, vencendo Trump ou não, o capitalismo fica inquestionável.Não é preciso ser médico para diagnosticar em Biden claros sinais de senilidade, uma degeneração evidente de suas condições intelectuais e mesmo corporais. Obviamente, o presidente de 81 anos não é regra geral, pois existem inúmeros idosos que, com quase cem anos, levam vidas ativas e lúcidas, mas é impossível negar que a condição do atual ocupante da Casa Branca é claramente de alguém cujo melhor lugar hoje seria em casa repousando e não governando o país mais poderoso da história.
Mas é equivocado pensar ser a saúde de Biden o grande motivo para os posicionamentos contra a continuidade de sua campanha à reeleição. A deterioração de sua saúde pode ter contribuído para aprofundar uma situação já existente, a do completo fracasso de sua presidência, conforme já analisávamos neste post, motivo de ele amargar baixíssimos níveis de aprovação.
Na verdade, Biden foi lançado pelo establishment do Partido Democrata unicamente para evitar a vitória de Bernie Sanders nas primárias de 2020, tal como já havia acontecido em 2016, quando igualmente Hillary Clinton usou e abusou de manobras para barrar o socialdemocrata. Igualmente, Biden se manteve no páreo para 2024 unicamente para não abrir disputa primária em seu partido, evitando mais uma vez que a ala esquerda vencesse por agora. São os democratas sem democracia.
É bem possível que Biden se retire da disputa em prol de sua vice, a igualmente decrépita – embora apenas politicamente – Kamala Harris. Tudo indica que Trump vencerá, seja concorrendo com Biden ou com sua vice, a real, não a da gafe. Mas isso importa zero para o partido democrata e para a burguesia estadunidense, que dormirá em berço esplêndido sabendo que seus reais inimigos, Sanders e seu movimento, estarão fora do governo.
Não que Sanders seja um revolucionário ou mesmo uma ameaça séria à burguesia estadunidense. Igual Jean-Luc Mélechon, é apenas um reformista moderado, muito mais à esquerda que reacionários do tipo Lula ou Macron, mas ainda muito mais à direita que qualquer posicionamento autenticamente socialista. Contudo, Sanders e Mélechon dão caláfrios nos conservadores de qualquer lugar do mundo, pois colocam o dedo na ferida do capitalismo e ousam encampar a causa Palestina. Contra eles, os Biden, Lula e Macron – seguidos pelos seus séquitos – não irão pestanejar um só minuto em preferir que estejam no poder algum membro da extrema-direita, mas defensor intransigente do capital.
Por isso, Biden insiste em sua campanha de faz de conta e, no máximo, aceitará ser substituído pela igualmente farsesca Kamala. No fim, vencendo Trump ou não, o capitalismo fica inquestionável.
Mas, há algo profundamente sintomático quando se observa que a concorrência ao cargo de presidente dos EUA está entre um idoso senil e um idoso criminoso. Não teria ali indivíduos com mais qualidade? Mas colocar a questão em termos de indivíduos já é um erro, pois a política nunca é a respeito de indivíduos, mas da luta de classes e a disputa pela Casa Branca sempre foi um jogo ultra controlado em que, ao fim, disputam apenas os ungidos pelo capital, existindo zilhões de mecanismos -econômicos, administrativos, políticos, midiáticos, etc. – para filtrar os participantes e confluir em uma eleição bipartidária, engessada e estéril. Até a escolha do Papa é mais plural!
Assim, a disputa entre um presidente em estado avançado de senilidade e um ex-presidente criminoso condenado é apenas a expressão de algo muito mais profundo, a decadência da própria burguesia estadunidense e, ao fim, a senilidade do próprio capitalismo, incapaz de encontrar novas expressões. A caducidade eleitoral expressa a impossibilidade do capital em se reproduzir de forma ampliada, entrando em estado vegetativo. Essa é sua crise e esse é o estado terminal em que a sociedade capitalista se encontra neste começo de século. (Por David Coelho, doutor em Filosofia, professor e militante de esquerda, editor do Blog Náufrago da Utopia)
Direto da Redação é um fórum de debates publicado no jornal Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.