Ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo do atual mandatário e muito respeitado junto à tropa, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz voltou a fazer duras críticas a Bolsonaro, junto à mídia conservadora e de ultradireita, público-alvo do grupo no poder.
Por Redação - de Brasília
Tanto a aliança com o vírus SarsCov-2, pela chamada ‘imunidade de rebanho’, quanto a base aliada, ou o que ainda resta de votos no Congresso em favor do governo, passaram a ser alvos de críticas de parcela do generalato brasileiro. Justamente onde o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se escora na expectativa de terminar o mandato, em 2022.
Ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo do atual mandatário e muito respeitado junto à tropa, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz voltou a fazer duras críticas a Bolsonaro, junto à mídia conservadora e de ultradireita, público-alvo do grupo no poder.
— É um governo que investe no fanatismo, no show, no populismo. É o processo de qualquer regime totalitário. É divisão social, é o culto à personalidade, é o ataque às pessoas, e não a discussão de ideias. Os ataques são todos pessoais com desinformação, fake news (notícias falsas), crimes de calúnia, de difamação, desinformação, mentira. Isso é o que está caracterizando o momento atual — afirmou.
Violência social
Ainda segundo o militar, o país precisa “de união, de combate à corrupção, de redução da desigualdade social”.
— A sociedade precisa de paz e não pode ficar dividida. A sociedade dividida vai para conflito, vai para violência. Em uma sociedade dividida, esse fanatismo criminoso que estamos vivendo acaba em violência. Há o risco de esse fanatismo que nós estamos vivendo levar o país à violência. Eu vivi cinco anos em ambiente de conflito na África e na América Central e sei o que é a violência social. É um absurdo o que estamos vivendo — acrescentou.
Para o general de divisão da reserva do Exército Brasileiro, que foi comandante das forças da ONU no Haiti e no Congo, falta responsabilidade ao atual governante.
— É uma coisa criminosa. O fanatismo e o crime caminham juntos e tem hora que você não consegue diferenciar quem está de um lado e quem está de outro. Temos uma milícia digital que denigre as pessoas, que ataca as pessoas. Isso é caso de polícia, isso é crime — critica.
Cavalaria
Santos Cruz recomenda, ainda, o fim do movimento que quer "arrastar as Forças Armadas para a política”.
— Vamos fazer uma política decente. Estão todo dia falando de Forças Armadas na política. Há uma destruição das instituições. O Brasil está dividido em fanatismo, em extremismo. Isso não leva a lugar nenhum. Isso só leva à violência. A politização das Forças Armadas é um absurdo. Forças Armadas não são instrumento de pressão, de intimidação política, de disputa de poder. Isso, em vez de evoluir politicamente, é uma falta de responsabilidade — pontua.
E ele não está sozinho nos quartéis. Na véspera, generais da Arma de Cavalaria, que se reúne de tempos em tempos, deixaram claro que Bolsonaro não os representa mais. Entre os oficiais encontram-se o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, e o ex-comandante do Exército, Edson Pujol.
Democracia
Os ‘Cavaleiros da República’, como se auto-denominam os integrantes da confraria, depois de afastados do poder por ordem do comandante-em-chefe, subiram “o tom contra governo”, escreveu o jornalista Marcelo Godoy, colunista do diário conservador paulistano O Estado de S.Paulo (OESP), nesta segunda-feira.
“O grupo de militares que se descolou do bolsonarismo e procura uma terceira via para manter sua influência na Esplanada ganhou um companheiro: o vice-presidente Hamilton Mourão. É o que mostra texto do coronel Paulo Rocha Paiva, distribuído entre militares na semana passada. A exemplo do que fizera o ex-juiz Sergio Moro em 2020, o coronel pôs o vice como candidato em 2022. Contra Bolsonaro”, informa Godoy, especializado em questões militares.
O colunista lembra que Mourão é dono de uma “visão de mundo diferente de Jair Bolsonaro e que foi isolado, não participa das reuniões de governo. Bolsonaro chama o governo de seu, assim, como o Exército, seus ministros, sua caneta e suas verdades. Até a democracia. Tudo é seu. Menos os erros”.
Extremismo
“Por isso, desde 2019, Mourão começou a ser rifado por Bolsonaro. Naquele tempo, o presidente estava no hospital, e o vice aparecia, dava entrevistas e recebia elogios. Alimentava em Carlos Bolsonaro a impressão de que conspirava contra seu pai, em companhia de outros generais do Planalto. O vereador se ressentia ainda do secretário de Governo. Era então o general Santos Cruz, logo envolvido em trama típica do bolsonarismo, que misturou a falsificação de provas a um peculiar tipo de extremismo: o general controlava verbas, dinheiro público cobiçado em Brasília”, subllinhou.
Desde o início de seu governo, “Bolsonaro faz o papel do capitão que não se sujeita aos generais. Estes pensavam lidar com um político peculiar, como o designara o general Edson Leal Pujol em 2018. A turma montava seus cavalos todas as manhãs no 1.º Regimento de Cavalaria de Guardas, a 20 quilômetros do Palácio do Planalto. Reunia-se em uma espécie de confraria, logo apelidada por Mourão de “Cavaleiros da República”. Bolsonaro não os perdoou. Rifou um a um os membros do grupo”.
“Primeiro foi Santos Cruz, defenestrado em 2019. Depois, Mourão, que teve a vaga de vice na chapa em 2022 retirada pelo general Luiz Eduardo Ramos, pouco depois de este ocupar o lugar de Santos Cruz. Ramos pensava então no ex-juiz Moro. “Uma chapa imbatível”, ele disse. Depois, diante da necessidade de cuidar de Flávio Bolsonaro, o filho rico do presidente, e de fazer acordos com o ‘Centrão’, o capitão começou a buscar o nome de alguém mais adequado ao atual momento do governo”, relembra.
Caserna
Ainda na linha histórica “o próximo da confraria a ser demitido foi Pujol, que aprendeu que o pitoresco político não suportaria jamais a ideia de que alguém poderia ter autonomia no governo. Bolsonaro, em seu linguajar, sempre afirmou que não seria "um bundão", que é o dono da bola no governo, no caso, a caneta. Leal Pujol devia saber que não importava se antigos camaradas de caserna criticavam em Bolsonaro o temperamento e a falta de comprometimento com o trabalho. No final, Bolsonaro ia se impor”.
“Outros generais se desiludiram com o capitão, também integrantes da confraria: Paulo Chagas e Rêgo Barros, ex-porta-voz de Bolsonaro. Ao exército dos desiludidos se juntaria o general Francisco Mamede de Brito Filho e o coronel Paulo Rocha Paiva. Chagas escreveu no Twitter: 'Se gritar pega ‘Centrão’, não fica um...!' Independente de qualquer outra opinião, eu continuo acreditando nesta afirmação. O ‘Centrão’, hoje no controle geral da gestão pública, está a aprovar o salvo-conduto para roubar”, continua o colunista, com base no texto do militar.
“Foi assim que Bolsonaro reuniu contra si um grupo de generais que fez campanha pelo capitão. Eles abriram-lhe as portas dos quartéis e diminuíram as resistências existentes contra o presidente na caserna entre os que carregavam ainda na memória a conclusão do ministro Leônidas Pires Gonçalves sobre Bolsonaro. Leônidas dizia que a desonra nunca podia estar do lado do Exército. A mendacidade do capitão, constatada em Conselho de Justificação, foi esquecida, perdoada, como seria mais tarde perdoado o general da ativa Eduardo Pazuello, que frequentou o palanque do presidente”, compara.
Nas eleições passadas, “era mais importante tirar o PT do poder”, ressalta Godoy.
‘Irresponsável’
“Mas, para isso, a moralidade pública e 500 mil vidas teriam de perecer? Ou bilhões do orçamento secreto teriam de ser entregues ao ‘Centrão’? Devia-se condescender com o extremismo que treinava para atacar o Supremo Tribunal Federal? Ou com a cloroquina e o descrédito à ciência e ao magistério? E com o deboche de um presidente que faz troça com a doença para seus apoiadores diante dos brasileiros enfermos e de suas famílias enlutadas? Afinal, qual era o limite?”, questiona.
De acordo com o colunista “ao esticar a corda das instituições e da democracia, o bolsonarismo fez surgir em público fantasmas que se pensavam esconjurados pela Nova República. A conversa sobre o golpe não foi esticada pelos que se opõem a Bolsonaro, mas por militares como o coronel Gelio Fregapani, pelo presidente e seus filhos e por parlamentares bolsonaristas. Quem fala em passar a régua na democracia e na oposição são oficiais em grupos de zap e em artigos nas redes sociais. Fregapani é só mais um dos entusiastas de Bolsonaro”.
“Pode-se dizer dos pregoeiros de golpes e assassinatos: ‘Eles não representam as Forças Armadas’ ou que o ‘Exército não declarou a República para pôr no poder, no lugar do imperador, outro irresponsável’. O juiz Vladimiro Zagrebelsky, ex-integrante da Corte Europeia de Direitos Humanos, escreveu ao jornal La Stampa um artigo para explicar por que ‘sdoganare’ (desembaraçar, em português) o fascismo é um erro. ‘Dar de ombros às palavras (dos radicais) só fará os eleitores de uma direita nostálgica sentirem-se legitimados na arena política”, escreveu o juiz.
‘Pitoresco’
“O magistrado reafirmou a raiz antifascista da Constituição da Itália e criticou os neofascistas que se escondem atrás de uma bandeira com a qual não têm nada a ver. ‘Traços de fascismo emergem em vasta parte do mundo político e da opinião pública, ainda que não mais se use o cassetete e a camisa preta”, adiciona.
Para Godoy, “eles estão na ideologia e no ódio às diferenças, no ataque ao Congresso, na exaltação de uma impossível democracia direita e na linguagem bélica no debate político, sem freio ou respeito pelos adversários”.
“Eis o clima e os motivos de alarme que não consentem achar o presidente apenas ‘pitoresco’. Mourão, Santos Cruz e os que dissentem do governo têm o desafio de afirmar que a democracia – assim como o Exército – não permite ser tratada com pronomes possessivos”, conclui.