Os seguidores de Donald Trump estão felizes, demais mesmo, com a enorme vitória do ex-presidente e podem mesmo rir da imprensa em geral que errou feio nas previsões e que teria carregado nas tintas ao fazer a caricatura do fanfarrão. “Houve um verdadeiro naufrágio da mídia” disse o apresentador da rádio Europe1 ao comentar as previsões anunciadas pela imprensa de que as apurações levariam dias ou mesmo semanas, num clima de tensão, vista a quase paridade de votos entre Donald Trump e Kamala Harris.
Por Rui Martins, Editor do Direto da Redação
A mídia acreditava que Kamala Harris poderia ganharNaufrágio, segundo ele, porque, muito ao contrário do que previa a imprensa, tudo se resolveu em algumas horas, sem conflitos e Trump ganhou com grande diferença.
Na rádio Europe1, o apresentador Pascal Praud se deu ao luxo de mostrar, em curtos extratos sonoros, como certos comentaristas nas rádios francesas estatais tratavam o candidato Trump, inclusive comparando-o a Hitler. E poderia ter citado também muitos jornais de renome, como o The New York Times, que decidiram apoiar Kamala Harris.
Muitas outros comentaristas de rádios deviam também estar rindo dos comentaristas francamente anti-Trump durante todos estes meses, inclusive no Brasil naquelas rádios que sempre apoiaram Bolsonaro. Ainda na Europe1, um convidado logo depois de anunciada a vitória de Trump, dizia “os Estados Unidos não são a Universidade de Harvard e nem Nova York”. Certo, mas tudo isso são juízos de valor, que não invalidam as opiniões dos comentaristas anti-Trump, entre os quais me encontro.
O êrro da mídia não foi o de ter desqualificado Trump como candidato à presidência dos EUA, mas o de ter acreditado e divulgado um clima favorável a uma vitória da candidata Kamala Harris, baseando-se em sondagens que ignoravam a América profunda, seu miolo interior com seu patriotismo e seu fundamentalismo religioso. Isso a ponto de discutir a reação dos trumpistas no caso de uma derrota, quando a vitória de Trump foi ampla, decidida em poucas horas e incluiu maioria no Senado e no Parlamento.
Ou seja, embora os democratas não vissem ou não quisessem ver, havia um clima de insatisfação popular, bem explorado pelas redes sociais com suas fake-news e contando com o apoio do especialista na matéria Elon Musk com sua plataforma X. De nada adiantou a tentativa democrata de obter o apoio das mulheres e da população negra. Como disse um dos convidados da Europe1, “Trump ganhou no supermercado” e eu acrescentaria também “nas igrejas evangélicas”, mais fortes que no Brasil.
O que poderá ocorrer num governo cujo presidente detém todos os poderes, inclusive o da Suprema Corte, onde três magistrados tinham sido nomeados por Trump no seu primeiro mandato? Essa situação de poder absoluto pode levar a perigosos abusos, sabendo-se das ambições desmedidas do presidente eleito.
Nos EUA, não se pode acumular mais de duas presidências, por exigência constitucional, exceto – vamos imaginar – se um deputado propor, o Senado aprovar e a Suprema Côrte ratificar. Não devo ser o primeiro a pensar, mas isso agora poderá ser possível.
Embora o ucrâniano Zelenski tenha sido com o presidente francês Macron um dos primeiros a cumprimentar Trump por sua vitória, isso em nada deve mudar a promessa trumpista de acabar com o apoio americano à Ucrânia e à OTAN, deixando o campo livre para a Rússia.
Trump também prometeu acabar com o problema da imigração ilegal nos EUA, impedindo a entrada dos latinos e de outras nacionalidades no território americano e inovando com a deportação dos imigrantes ilegais para seus países. Como existem muitos brasileiros ilegais nos EUA, a maioria bolsonaristas e trumpistas, seria o caso de se perguntar se Bolsonaro poderá intervir em favor desses imigrantes.
Outra pergunta é a de como serão as relações de Trump e de seu amigo e provável ministro Elon Musk com o Brasil e com Lula que, numa entrevista a uma revista francesa, tinha declarado esperar uma vitória de Kamala Harris.
Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.