Sábado, 06 de Fevereiro de 2021 às 08:40, por: CdB
Acesso à rede foi interrompido no mesmo dia em que multidão saiu às ruas no maior ato contra a tomada de poder pelos generais até agora. Assessor australiano da líder deposta Aung San Suu Kyi é detido no país.
Por Redação, com DW - de Naypyidaw
A junta militar que tomou o poder em Mianmar bloqueou o acesso a Internet neste sábado, enquanto milhares de pessoas saíam às ruas para denunciar o golpe de Estado e exigir a libertação da líder deposta do país, Aung San Suu Kyi, que foi presa quando os militares assumiram o governo.
O protesto deste sábado em Yangon, maior cidade do país, foi o maior ato antigolpe desde a tomada de poder na segunda-feira passada, que até então, em meio à pandemia de covid-19, não havia desencadeado tumultos civis significativos, apenas alguns panelaços e buzinaços.
Nas ruas de Yangon, manifestantes erguiam cartazes com frases como "Contra a ditadura militar", e entoavam os dizeres: "Ditador militar, fracasse, fracasse; democracia, vença, vença". Espectadores ofereciam água e comida aos ativistas.
Muitos em meio à multidão vestiam vermelho, a cor da Liga Nacional pela Democracia (NLD), da Nobel da Paz Aung San Suu Kyi. O partido garantiu uma vitória esmagadora nas eleições nacionais de novembro de 2020 em Mianmar, mas os generais se recusam a aceitar o resultado e alegam fraudes, justificando assim a tomada de poder na segunda-feira. No entanto, observadores internacionais e a própria Comissão Eleitoral birmanesa declararam o pleito justo e livre.
Os manifestantes acabaram se dispersando durante a tarde deste sábado (horário local), mas várias centenas permaneceram sentadas nas ruas em um impasse com a polícia, disseram moradores. Outro grupo de cerca de cem pessoas foi impedido por policiais de chegar ao protesto.
Sem Internet
Enquanto a manifestação crescia e ativistas faziam apelos nas redes sociais para que mais pessoas saíssem às ruas e se unissem à marcha, a Internet no país caiu.
O grupo de monitoramento NetBlocks Internet Observatory reportou um "blackout de Internet em escala nacional", afirmando que a conectividade no país caiu 54% em comparação com os níveis normais. Testemunhas relataram paralisação dos serviços de Internet móvel e Wi-Fi.
O provedor de Internet móvel norueguês Telenor informou que as autoridades birmanesas ordenaram que todas as operadoras móveis interrompessem temporariamente o funcionamento das redes de dados, embora os serviços de voz e SMS continuem funcionando. A junta militar não se pronunciou ainda sobre o caso.
Os generais já haviam bloqueado o acesso ao Facebook na última quinta-feira, comunicando que a decisão valeria até, no mínimo, 7 de fevereiro. A rede social é usada pela metade dos 54 milhões de birmaneses, e opositores do golpe vinham usando a plataforma, entre outras, para compartilhar ideias de combater as ações dos militares.
Muitos ativistas acabaram contornando a proibição ao Facebook usando redes privadas virtuais para ocultar suas localizações, mas uma interrupção mais geral da Internet agora vai limitar severamente sua capacidade de se organizarem e acessarem informações e notícias independentes.
Em declaração conjunta, organizações da sociedade civil de Mianmar apelaram para que os provedores de Internet e redes móveis resistam às ordens da junta militar, afirmando que, ao cumprirem a determinação de desligar a Internet, essas empresas estão "essencialmente legitimando a autoridade dos militares".
Em comunicado, a Telenor afirmou que enfatizou aos generais que o acesso aos serviços de telecomunicações deveria ser mantido. No entanto, observou que está sujeita à legislação local, e sua prioridade máxima é a segurança de seus funcionários no país asiático. "Lamentamos profundamente o impacto que a paralisação teve no povo de Mianmar", disse a empresa.
A vice-diretora regional da Anistia Internacional para campanhas, Ming Yu Hah, condenou a ordem da junta militar. "Fechar a Internet em meio a um golpe volátil, uma crise humanitária e uma pandemia sanitária é uma decisão hedionda e imprudente", afirmou.
Cidadão estrangeiro detido
Na última segunda-feira, o chefe do Exército, Min Aung Hlaing, tomou o poder em Mianmar alegando fraude na eleição, que a NLD venceu com grande vantagem. A junta militar anunciou estado de emergência de um ano, e vários políticos foram detidos.
A líder deposta, Aung San Suu Kyi, foi acusada de suposta violação de uma lei de importação e exportação, pela qual ela permanecerá detida por pelo menos mais duas semanas. De acordo com os relatórios policiais, Suu Kyi tinha em sua casa um dispositivo de comunicação telefônica importado ilegalmente e cujo uso só é permitido pelo governo ou Exército.
A ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, que está em prisão domiciliar desde o golpe de Estado, pode pegar uma pena de até três anos de prisão por esse crime.
A polícia acusa ainda o também deposto presidente Win Myint de infringir a lei de gestão de desastres naturais, incluindo a pandemia, por ter deslocado 220 veículos para visitar algumas áreas com a esposa quando a presença da covid-19 proibia a reunião de mais de 30 pessoas.
Neste sábado, um assessor econômico de Suu Kyi, o australiano Sean Turnell, foi preso pelas autoridades birmanesas, na primeira detenção de um cidadão estrangeiro que se tem notícia desde o golpe. A prisão foi informada pela imprensa internacional.
– Acho que em breve vocês ouvirão sobre isso, mas estou sendo detido – disse Turnell em mensagem à agência inglesa de notícias Reuters. "Estou sendo acusado de algo, mas não tenho certeza do quê. Estou bem e forte, e não sou culpado de nada", acrescentou. Não foi mais possível contatá-lo depois.
O Ministério das Relações Exteriores da Austrália disse em um comunicado que está "profundamente preocupado com relatos de australianos e cidadãos estrangeiros sendo detidos arbitrariamente em Mianmar".