Antes de partir para Washington onde participa de uma reunião da OTAN, o presidente francês Emmanuel Macron deixou uma carta dirigida a todos os franceses, na qual pede aos eleitos para se reunirem em torno dos valores republicanos, com ideias e programas acima de suas ambições pessoais, numa crítica velada às exigências do líder da França Insubmissa, Jean Luc Mélenchon.
Por Rui Martins, editor do Direto da Redação
Deu certo a mobilização dos franceses contra a extrema direita
Só depois de encontrado esse denominador comum, Macron tratará da nomeação do Primeiro Ministro “isso supõe se deixar passar um pouco de tempo às forças políticas para construírem compromissos com serenidade e respeito”. Enquanto isso, permanecerá o atual governo de Gabriel Atall não ficando claro por quanto tempo. Essa carta já provocou uma série de protestos, que poderão ser seguidos de convocações para manifestações populares.
Ao mesmo tempo, temerosos de que os deputados da França Insubmissa se aproveitem do clima para assumir a direção da Nova Frente Popular, os deputados ecologistas e socialistas programam se reunir para fazer face.
Existem lições a tirar para a esquerda brasileira da reviravolta nas eleições legislativas francesas de domingo?
Talvez a mais importante seja a de se evitar o extremismo, provocador de divisões e de medos. Ao contrário dos entusiasmos mostrados por certas redes sociais brasileiras, o líder do partido LFI ou França Insubmissa, Jean Luc Mélenchon, considerado de extrema esquerda, não é um aglutinador de forças contra a extrema direita e nem foi o único chefe do movimento de união dos partidos de esquerda e direita.
Bem ao contrário! Mélenchon pode ser considerado como um dos inspiradores da vitoriosa Nova Frente Popular porém, ao mesmo tempo, suas declarações extremas e egocentricas fizeram muitos eleitores socialistas e de direita estarem dispostos a votar a contragosto na extrema direita de Marine Le Pen.
O caso mais comentado foi o do “caçador de nazistas” Serge Klarsfeld que, na hipótese de uma final entre a extrema direita e extrema esquerda, preferiria votar no partido de Le Pen e não seguir o voto nulo, indicado pelas instituições judaicas. Essa declaração provocou escândalo pois seu pai, Arno Klarsfeld, judeu, morreu em Auschwitz, para onde tinha sido deportado da França.
A razão dessa estranha opção foram as declarações de Jean Luc Mélenchon consideradas antissemitas e seu apoio ao Hamas, sem ter declarado terrorista o pogrom do 7 de outubro, na guerra com Israel. Embora Mélenchon não seja um aglutinador, tanto que a maioria dos deputados eleitos pela Nova Frente Popular rejeita sua indicação para Primeiro Ministro, uma parte da esquerda brasileira vê nele um líder a ser imitado.
Pelo menos um líder do PT, Paulo Paim, e uma líder do PSB, Lídice da Mata, ponderam pela moderação ao comentarem no Brasil de Fato, a vitória da esquerda na França. Nada a ver com o líder do que se poderia chamar de extrema esquerda brasileira, Rui Costa Pimenta, do Partido da Causa Operária que, embora sem a mesma verve seria a versão nacional do tribuno populista Mélenchon. Pimenta foi a favor da invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin e aplaudiu o terrorismo do Hamas no 7 de outubro.
A lição das legislativas antecipadas na França para a esquerda brasileira poderia ser a de não encampar a linguagem extremada de um Mélenchon, como bem sintetiza Paulo Paim “precisamos entender a importância de trabalhar uma frente ampla de centro-esquerda porque senão, daqui dois anos, poderemos ter um retrocesso ainda maior no parlamento brasileiro em relação à realidade de hoje”.
Talvez Celso Amorim e o presidente Lula devessem analisar como o discurso provocativo de Mélenchon estava assustando os franceses e os levando ao RN da extrema direita, enquanto a linguagem conciliadora de Raphael Glucksmann funcionava como calmante.
O jornal Le Monde conta como toda a Europa teve um alívio diante dos primeiros resultados das eleições francesas, com exceção da italiana Melloni, do húngaro Orban e do russo Putin. O ambivalente Putin que consegue ser apoiado pela extrema direita de Orban e por países do Sul Global e por alguns países e teocracias do Brics.
Para terminar, uma coincidência – na França, a dinastia da extrema direita se chama Le Pen; no Brasil, a extrema direita é também uma dinastia familiar, a de Bolsonaro.
POR PROBLEMA TÉCNICO, NÃO FOI PUBLICADO O DIRETO DA REDAÇÃO ANTERIOR, ANEXO
França: a Nova Frente Popular poderá evitar o caos?
Para uma grande parte da imprensa francesa e mundial, o presidente da França, Emmanuel Macron, com a dissolução da Assembléia Legislativa há três semanas e convocação de novas eleições de deputados, propôs uma espécie de poker eleitoral, no qual com a ousadia de um jogador, apostava na sua capacidade de blefar.
Entretanto, os resultados das eleições de domingo, no primeiro turno para a formação da nova Assembléia, foram um fracasso para a direita macroniana e confirmaram as sondagens de uma vitória da extrema direita do partido Reunião ou Reagrupamento Nacional, da família Le Pen, contra o qual têm feito barragem, há 60 anos, a esquerda e a direita republicanas e democráticas. A Nova Frente Popular com direita republicana, socialistas, comunistas e extrema esquerda conseguiu resultados melhores, mas ficou em segundo lugar distante da Reunião ou Reagrupamento Nacional.
Em outras palavras, a França está a dois passos de enterrar seu passado de defesa dos trabalhadores e aposentados, dos direitos sindicais, dos direitos das minorias, de luta contra o racismo, defesa e liberdade das mulheres e proteção dos imigrantes, conquistas que poderão retrogredir com um governo de extrema direita nacionalista.
Por isso, o chargista Chappatte do jornal Le Temps utiliza a palavra “dissolução” com o sentido de uma auto-dissolução do próprio Macron, rejeitado por muitos franceses e criticado por alguns de seus ministros, que não conseguiram se reeleger no domingo, no poker de Macron, como deputados, perdendo assim a metade de seus mandatos.
En passant, a França não é o único país envolvido na onda da extrema direita. Outros países europeus já antecederam a França, como a Hungria, Itália, Holanda, Dinamarca, Tchecoslováquia, Suécia e Finlândia. Sem se esquecer dos países onde a extrema direita tem partido forte e pode chegar logo ao poder, como Polônia, Áustria, România, Estônia, Bélgica e Alemanha. Na Alemanha, existe o partido AFD, Alternativa pela Alemanha, com características nazifascistas. Há ainda o partido Vox na Espanha e o Chega em Portugal.
Perigo à vista: a expansão e extensão dos partidos de extrema direita pode chegar até o Parlamento Europeu, onde o número de deputados de diversos países começa a crescer e formar grupos, de tendências moderadas e radicais, inclusive com os novos deputados franceses da Reunião ou Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen, recentemente eleitos.
O negacionista norteamericano Steve Bannon, da equipe do ex-presidente Trump, tentou criar em 2017, uma estrutura para facilitar o acesso da extrema direita no Parlamento, mas sem sucesso. Na Suíça, o partido conservador UDC, majoritário no Parlamento, tem seu lado populista democrático, mas alguns de seus dirigentes mantêm ligações com a extrema direita europeia como o holandês Geert Wilders e o francês Eric Zemmour.
De Steve Bannon chegamos aos EUA, onde a extrema direita é alimentada pelos fundamentalistas evangélicos. Diante de participantes do movimento Fé e Liberdade, Trump se auto-chamou de “um cruzado cristão”. O movimento religioso evangélico neo-pentecostal norte americano chegou ao norte do Brasil no começo do século passado, se alastrou e, politicamente acabou assumindo, com uma parte do ramo protestante vindo da Reforma de Lutero e Calvino, mais forte no sul do Brasil, a defesa do Golpe de 1964.
Essa aproximação do poder militar pelas lideranças evangélicas levou, depois do fim da ditadura militar, a uma aproximação do poder civil, nos governos Lula e Dilma, e, logo depois, a uma adesão à teologia do domínio, também importada dos EUA, e ao apoio ao candidato Jair Bolsonaro, que significou adesão à extrema direita e apoio aos quatro anos de seu governo. A prova é a linha política e de costumes da Bancada Evangélica.
Como ficará a França depois do segundo turno de domingo?
Até às 18 horas de terça-feira, era quase certa a vitória da extrema direita francesa de Marine Le Pen e de seu protegido Jordan Bardella. Com 33,8% dos votos, a Reunião ou Reagrupamento Nacional frente aos 28,2% da Nova Frente Popular tinha tudo para conquistar a maioria absoluta e governar a França.
Porém, diante desse risco criou-se uma união entre as esquerdas e direitas republicanas e democráticas, além de uma mobilização popular. Quinze minutos depois de anunciados os resultados do primeiro turno das eleições e diante da catástrofe iminente. O líder da França Insubmissa, Jean Luc Mélenchon anunciou a desistência dos candidatos do seu partido, colocados em terceiro lugar, em favor de candidatos melhor colocados para impedir a vitória dos candidatos do RN de Marine Le Pen.
Foram 218 desistências que permitirão diminuir o impacto da vitória da extrema-direita e impedir assim a maioria absoluta necessária para governar. Neste caso, a nova Assembléia será plural, e os partidos de esquerda e direita republicana poderão formar coligações, segundo os projetos de seus interesses, isolando a influência da extrema direita.
Entretanto, é bom acentuar, nem todos os eleitores franceses vão seguir a chamada “barragem contra a extrema direita” criada pela Nova Frente Popular. No confronto Reunião ou Reagrupamento Nacional contra Nova Frente Popular, muitos deixarão de votar ou votarão nulo por terem receio da extrema esquerda de Mélenchon. Ele é considerado culpado por ter feito campanha eleitoral usando a guerra em Gaza como pano de fundo, provocando um surto de antissemitismo e perdendo o apoio da enorme comunidade judáica na França, para obter o apoio da comunidade imigrante muçulmana, numerosa em diversas cidades e periferias.
Em todo caso, se a extrema direita obtiver a maioria absoluta, Macron ainda tem maioria no Senado e no Conselho Constitucional. Bardella não poderá fazer o que quiser, mas, é claro, poderá haver caos e muita agitação.
Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.