Os ventos novos que parecem soprar na direção do Palácio do Planalto sugerem que haverá mudanças na condução da política econômica a partir do ano que vem. Além disso, tudo indica uma reviravolta na orientação de menos Estado e de menos despesas governamentais.
Por Paulo Kliass – de Brasília
A se confirmarem as pesquisas a respeito das intenções de voto da população brasileira para o pleito de outubro próximo, a permanência de um superministério da economia em nossa estrutura da administração pública federal é uma questão de favas contadas. A impressionante concentração de poderes que foi outorgada a Paulo Guedes tem suas origens ainda na campanha eleitoral de 2018. Naquele momento, o candidato que havia sido subestimado pela grande maioria dos analistas e dos agentes políticos tradicionais conseguiu atrair para seu entorno uma figura com facilidade de trânsito no interior do sistema financeiro. Bolsonaro argumentava que não entendia nada de economia e que o banqueiro seria o seu Posto Ipiranga, uma imagem usada para alguém que sabia todo tipo de resposta para qualquer tipo de pergunta. Incumbido de tal missão, o ego do aprendiz de liberaloide ficou ainda mais inflado. Ao longo do processo, Guedes conseguiu lapidar a imagem tosca que o ex capitão defensor da tortura e da pena de morte sempre carregou ao longo de seus 28 anos ininterruptos como deputado federal. Ele abriu espaço para seu candidato no meio das elites do financismo e esse movimento certamente contribuiu para que o defensor da ditadura militar conseguisse superar arestas e saísse com apoios que foram decisivos para sua vitória no segundo turno contra Fernando Haddad do PT. A retribuição oferecida por Bolsonaro veio sob a forma de uma generosa oferta a Paulo Guedes, maior inclusive do que aquela com que agraciou o ex juiz Sérgio Moro. Este último havia impedido que Lula participasse como candidato, justamente o único que as sondagens apontavam como capaz de superar o militar no segundo turno. O xerife da Lava Jato foi contemplado com a unificação dos Ministérios da Justiça e da Segurança, mas o banqueiro recebeu ainda mais. Paulo Guedes converteu-se no superministro da economia. Bolsonaro criou o chamado “monstrengão”, com a junção de quatro ministérios tradicionais na cena da Esplanada brasiliense.Ministérios da Fazenda, do Planejamento e do Desenvolvimento e Indústria
Para tanto foi promovida a fusão do Ministério da Fazenda, do Ministério do Planejamento, do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio Exterior e do Ministério do Trabalho. Nem mesmo os casos precedentes de concentração de poderes na área econômica haviam chegado a tanto. Delfim Netto durante o governo do General Figueiredo e Zélia Cardoso com Fernando Collor também foram chamados de superministros pela imprensa, mas seus poderes efetivos não chegaram ao nível de concentração de Paulo Guedes. Na verdade, esse fetiche que se cria com o anúncio da redução do número de pastas mascara a realidade dos supostos ganhos com a redução de despesas. Esses ministérios cumprem missões importantes no desenvolvimento e na implementação de políticas públicas em áreas tão diversas quanto relevantes. Estamos falando de setores essenciais como Planejamento, Orçamento Federal, Tesouro Nacional, Receita Federal, Comércio Exterior, Empresas Estatais, Previdência, dentre outros. E isso sem falar de toda a estrutura das delegacias estaduais do Ministério do Trabalho e do INSS. No entanto, ao contrário do que supõe o senso comum, os gastos com a manutenção de tal máquina praticamente se mantiveram inalterados. As funções dos antigos ministros foram substituídas por novos cargos criados na condição de “secretários nacionais”, com remuneração quase igual. Assim, o que se verificou na prática foi uma concentração descomunal e disfuncional dos poderes em uma única pessoa, com as consequentes perdas em eficácia e eficiência da própria máquina administrativa no cumprimento de suas funções. O argumento malandro e falacioso da redução de despesas não resiste a qualquer tipo de análise das contas orçamentárias. Por outro lado, o apetite por cargos nunca foi abandonado pelo fisiologismo nem por outros grupos de interesse no Congresso Nacional. Com isso, à medida que as dificuldades políticas foram aparecendo, Bolsonaro começou a recuar também nesse domínio.Guedes: Estado mínimo e superministério
Em dezembro de 2021, por exemplo, ele cedeu a pressões e desmembrou as áreas de Trabalho e Previdência do superministério de Guedes. Antes disso, em 2020, Moro já havia pedido exoneração do cargo de colaborador de Bolsonaro e as pastas de Justiça e Segurança Pública voltaram a ser separadas na estrutura administrativa. Um dos fatores que mais contribuiu para o discurso de redução ministerial foi a proposta de Paulo Guedes de corte radical de gastos governamentais, de desmonte das políticas públicas e de privatização radical das empresas estatais. Frente a uma estratégia como essa, não se fazia necessária mesmo a manutenção de uma estrutura estatal eficiente e com a dimensão capaz de dar cabo das missões constitucionais que o nosso pacto social estabelece. Guedes tentou levar em frente a adequação de sua visão de mundo ortodoxa e neoliberal à realidade brasileira. Este seria o caminho para a implementação do Estado mínimo, um sonho atrasado dos conservadores órfãos de Milton Friedman e um desejo explícito de onze em cada dez dirigentes do financismo tupiniquim. No entanto, os ventos novos que parecem soprar na direção do Palácio do Planalto sugerem que haverá mudanças na condução da política econômica a partir do ano que vem. Além disso, tudo indica uma reviravolta na orientação de menos Estado e de menos despesas governamentais. As declarações de Lula apontam para a necessidade da recuperação do protagonismo do Estado para a saída da crise atual e para a construção de uma estratégia planejada para o futuro do Brasil.Lula: um novo Estado para reconstruir o desmonte
A história recomenda a retomada do desenho ministerial com as pastas da Fazenda, do Planejamento e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior separadas cada uma das demais. Como a economia faz parte do campo de conhecimento das ciências humanas e sociais, as questões geralmente envolvem opções políticas distintas. Assim, a existência de duas ou mais abordagens e propostas para as ações e programas do governo permite ao Presidente da República exercer seu papel de tomador de decisões em última instância. Em geral sempre houve esse tipo de debate ao longo das últimas décadas, geralmente protagonizado pelos ministros ocupando as pastas da Fazenda e do Planejamento. Assim foi o que ocorreu, por exemplo, entre Delfim e Simonsen, entre Pedro Malan e José Serra, entre Palocci e Mantega. Além disso, a recuperação de agendas deliberadamente abandonadas por Guedes e Bolsonaro implica o reposicionamento de temas como planejamento, orçamento, capacidade arrecadatória, responsabilidade social na política fiscal, instrumentos de política de reindustrialização, revalorização da política de recursos humanos e gestão de pessoas, entre outros. Para tanto, a divisão das inúmeras secretarias encarregadas de tais missões pela estrutura ministerial mais desconcentrada com certeza oferecerá melhores resultados em termos de eficiência da gestão e da ação governamentais. Em outras palavras, um eventual futuro governo Lula deverá significar o fim do superministério da economia. E com isso estarão dadas as condições para que seu mandato seja mesmo dedicado ao enfrentamento de questões vitais, como a retomada do crescimento econômico e a redução do desemprego, a colocação do tema do planejamento do Estado como central, o fim dos instrumentos da austeridade fiscal, a implementação de políticas setoriais visando a industrialização e a soberania energética, dentre tantas outras.Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
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