Rio de Janeiro, 25 de Abril de 2025

Favela Sounds: Música, Inclusão e Cultura Periférica gratuitas, em Brasília

Criado no Distrito Federal em 2016, o Festival Favela Sounds é reconhecido internacionalmente como um dos maiores eventos de cultura periférica do mundo e, depois de 7 edições no Museu da República, este ano o festival descentralizou.

Segunda, 17 de Fevereiro de 2025 às 16:54, por: Redação Brasília
Por Redação, com sucursal – de Brasília, por Thamy Frisselli
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Raull Santiago, Carla Siccos e Maíra de deus Brito no Favela Talks, Arena de Debates, no Sesi de Taguatinga (Foto: Thamy Frisselli)

Brasília tem se esforçado para integrar mais áreas periféricas à cena cultural, buscando democratizar e diversificar o acesso à arte. Criado no Distrito Federal em 2016, o Festival Favela Sounds é reconhecido internacionalmente como um dos maiores eventos de cultura periférica do mundo e, depois de 7 edições no Museu da República, este ano o festival descentralizou. As arenas de debates do *Favela Talks, trazendo Inteligência artificial, ocupação territorial, comunicação, música e outros assuntos, aconteceram do dia 10 ao dia 14 de fevereiro, no Sesi de Taguatinga e em outras regiões administrativas.

Favela Talks

O Favela Talks é um espaço para aceleração de negócios e carreiras criativas. Ali, aconteceram Rodadas de Negócio, em que os artistas brasilienses são conectados com grandes players do mercado musical nacional e internacional; o LAB de Mentorias, que visa impulsionar negócios e ideias criativas das periferias do DF; e quatro oficinas voltadas ao desenvolvimento de carreiras criativas.

Entre os palestrantes estavam: a cantora Ebony; a empresária paulistana do grupo Racionais MCs, Eliane Dias; o ativista climático Marcelo Rocha; a pesquisadora em governança e racismo algorítmico mineira Fernanda Rodrigues; os empreendedores sociais Kdu dos Anjos, Raull Santiago e Christiane Silva Pinto; a empresária e criadora da PerifaCon Andreza Delgado; o estrategista publicitário Ogum Doce; e o influenciador manauara e criador da página Funkeiros Cults, Dayrel Teixeira.

Aulas de comunicação comunitária: Favela falando de dentro pra fora

Se por um lado as novas ferramentas digitais fortalecem identidades, criam oportunidades e ajudam a mobilizar redes, por outro, trazem desafios pesados, como fake news, manipulação de imagem, racismo algorítmico e vigilância digital.

Em uma rápida pesquisa no Google, um dos maiores buscadores do mundo, ainda é possível visualizar atribuições negativas a mulheres negras. Mas por que isso acontece? Pesquisadores do campo da tecnologia chamam de “racismo algorítmico” o conceito utilizado para nomear a reprodução do racismo estrutural dentro do ambiente digital.

Segundo a pesquisadora e coordenadora de pesquisa do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), Fernanda Rodrigues, apesar das ferramentas para o combate ao “racismo algorítmico”, ainda há a necessidade em ter instrumentos normativos importantes para reconhecer esse conceito para o cumprimento da lei e mecanismos de fiscalização.

“Em relação à regulação da inteligência artificial, por exemplo, a gente poderia ter mecanismos de fiscalização, como a avaliação do impacto algorítmico que considere as questões de raça, gênero, dentre outras, para analisar se aquela ferramenta da inteligência artificial vai ter impacto sobre determinados grupos sociais, como mulheres e pessoas negras”.

A mídia tradicional ainda insiste em estereótipos que reduzem a potência das periferias, mas comunicadores independentes estão ocupando espaço e contando suas histórias da forma certa. Como falar pra dentro e pra fora de sua comunidade ao mesmo tempo? Como criar redes, engajar a comunidade e fazer a favela se reconhecer na própria narrativa?

Maíra Brito

Maíra Brito é uma voz influente contra o racismo. Ela seguiu o caminho apontado pela família que, por meio dos estudos, quebrou o estigma da pobreza imposto historicamente aos negro. Em 2009, a jornalista era uma tímida estagiária numa redação de jornal. Hoje, ministra uma lista de transmissão com mais de 13 mil nomes, mestra em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade de Brasília e uma influente voz feminina nas redes sociais. Ela adora os adjetivos adquiridos pela consciência de ser mulher, negra e empoderada.

O entendimento de Maíra veio pela revolução do conhecimento. Foi na Universidade de Brasília que percebeu o quão poderia caminhar para fora de limites. Entendeu a importância histórica do sistema de cotas, que mudou a rotina e a cara de uma UnB até então branca e elitizada. Teve contato com literatura revolucionária e pessoas capazes de fazê-la compreender a potência vinda de sua história de vida.

“Fui uma menina negra nascida e criada no Plano Piloto e em escolas particulares. Só depois de adulta, entendi que morar nesse lugar é um ato de resistência. O Plano ainda é branco. Mas luto para que seja cada vez mais negro”.

O papel de influenciadora digital, como Maíra, é crucial num momento em que as pautas de debate de minorias tentam ser sufocadas por grupos organizados de ultradireita, abertamente preconceituosos.

“É um espaço novo e democrático que ocupamos e discutimos temas que eram silenciados, como a solidão da mulher negra na faixa dos 50 anos, preterida tanto pelo homem negro, que prefere a mulher branca, quanto pelo homem branco. Elas são levadas ao celibato definitivo”.

Carla Sicco

Moradora da Cidade de Deus desde os 12, Carla Sicco criou a CDD Acontece em 2011. De lá para cá, já desenvolveu até um aplicativo relacionado ao trabalho que realiza. Atualmente, a página tem mais de 73 mil curtidas e mais de mil acessos por dia. Alguns dos posts chegam a ter centenas de compartilhamentos. Ela conta que a ideia de criar a página veio de um problema familiar.

“Minha sobrinha comentou um dia que teria que ir ao Centro resolver o problema de um documento e eu falei que tinha um lugar pertinho da casa dela, no Caratê, onde ela poderia fazer isso e ela não sabia. Foi aí que eu percebi que as notícias ruins sobre nossa região tomam grandes proporções, e as boas acabam não tendo tanta adesão. E nem os moradores conhecem direito o lugar onde moram.”

Por isso, além de reportar sobre problemas na região, a página também divulga informações úteis sobre a comunidade, como vagas em escolas, abertura e fechamento de creches, vagas de emprego e até sobre os direitos que os moradores têm em momentos de operações policiais no local.

“Não trabalho sozinha, mas administro e apuro tudo e tenho fontes muito boas. Chego a receber mais de cem mensagens por dia. Só no WhatsApp são 4,5 mil pessoas conectadas. Sou uma cidadã mobilizadora e com isso ajudo a melhorar a comunidade”, diz.

Raull Santiago

Raull Santiago se apresenta como um sobrevivente. Nascido e criado no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, ele começou a trabalhar aos 12 anos não por escolha, mas para sobreviver às desigualdades de sua realidade. Este início difícil moldou sua trajetória como empreendedor social, ativista de direitos humanos, e influenciador.

Como um dos fundadores do Instituto Papo Reto em 2014, onde hoje é Diretor Executivo, Raull utilizou a comunicação como ferramenta para documentar e destacar as histórias de resistência e inovação nas favelas. Ele se destaca como um defensor dos direitos humanos, focado em mudanças climáticas, negritude e vida nas favelas.

“Comecei a trabalhar aos 13 anos em uma feira de rua que acontecia no principal acesso à favela. Mas eu não era feirante, ficava no pé do morro oferecendo serviço braçal aos mais velhos para carregar suas compras em busca de algum trocado. Isso me transformou num comunicador. A comunicação é uma ferramenta central em todos os meus processos. Primeiro porque precisei perder minha vergonha de falar em público e de me posicionar. E também porque quem aceitava essa ajuda eram as pessoas que moravam em regiões mais distantes da favela”.

 

A quarta edição do projeto contou com apoio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec-DF), por meio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) e da Lei de Incentivo à Cultura (LIC).

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Apresentações culturais com artistas locais (Foto: Thamy Frisselli)
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