Seria muita ingenuidade acreditar serem as fake news uma exclusividade da extrema direita. A mentira faz parte do cardápio político, sem ela muita gente importante nunca teria chegado às prefeituras, governos, parlamentos e muito menos ao Senado e à Presidência. E os grupos econômicos e potências com ou sem religião também precisam delas.
Por Rui Martins, editor do Direto da Redação
Um exemplo – o Canal TV GGN passou o pano nos crimes do presidente iraniano Ebrahim Raisi ao comentar sua morte num recente acidente de helicóptero. A própria comentarista do Opera Mundi ignora a situação das mulheres no Irã.Existem as grandes mentiras capazes de provocar golpe de Estado, como a de haver fraude nas urnas eletrônicas, mentira explorada ao máximo pela extrema-direita brasileira nas redes sociais, nos canais do YouTube, nos discursos e até nas igrejas pelo grupo Bolsonaro, a ponto de provocar depredações em Brasília numa tentativa frustrada de golpe. E existem as mentiras mais brandas destinadas às pessoas mal-informadas e desatualizadas, do tipo “se o Lula ganhar vão fechar as igrejas, vão tomar sua casa e terreno para alojamentos coletivos”. Há sempre crédulos, dando mesmo dinheiro pelo pix e redistribuindo a mentira para ela ir mais longe.
Mas, atenção, ser bem-informado, ter formação secundária, colegial ou universitária não é imunidade garantida e nem nos impede de acreditar em mentiras cabeludas, para alegria da Fox News, Al Jazeera e outras Tvs que, conscientes ou inconscientes, redistribuem. Entretanto, antes de tratarmos do que poderíamos chamar de uma fake news de esquerda, precisamos reencontrar o cineasta iraniano Mohammad Rasoulof, que deixamos para nos dedicarmos às inundações no Rio Grande do Sul.
O filme de Rasoulof, A Semente da Figa Sagrada tinha sido selecionado para a competição principal do Festival de Cannes. E, como prêmio por essa seleção, ambicionada por tantos cineastas brasileiros, o cineasta iraniano foi proibido de sair do Irã, condenado a cumprir oito anos de prisão e a receber um certo número de chibatadas. Castigo doloroso e arcaico, aplicado geralmente nas costas, e por pena judicial, o uso da chibata ou do chicote subsiste ainda em numerosos países, na maioria muçulmanos. A Marinha brasileira punia os marinheiros negros e afrodescendentes com chicote até 1910, quando houve a chamada Revolta da Chibata.
Diante da prisão iminente e da humilhação das dolorosas chicotadas, Mohammad Rasoulof decidiu fugir do Irã com o apoio de conhecedores das rotas pelas montanhas. Foram 23 dias de caminhadas até atravessar a fronteira e mais alguns dias, com apoio de amigos, até chegar à França. A imprensa francesa, informada da fuga, tão logo Rasoulof conseguiu sair do Irã, estava atenta à sua chegada, pois o Festival de Cannes ia começar.
Para fazer o filme, Rasoulof se inspirou nas manifestações em Teerã e outras cidades contra o assassinato pela polícia iraniana da jovem curda Mahasa Amini, violentamente agredida por não ter colocado corretamente na cabeça o véu ou hijab. Mais de um milhar de jovens e mulheres foram presos nessas manifestações, e houve cerca de 500 mortes, a mando do presidente Ebrahim Raissi.
Após a exibição do filme no último dia do festival, o cineasta iraniano Rasoulof foi alvo de uma verdadeira consagração pelo público de Cannes, que o aplaudiu de pé por mais de dez minutos. E recebeu o Prêmio Especial do Júri. O filme é a história de um juiz, Iman, recentemente nomeado por sua fidelidade ao regime, responsável pelas condenações à prisão e à morte de opositores ao governo, no caso enforcamentos. Pai de duas filhas e com uma esposa devota, a família de Iman vive sob tensão durante a onda de indignação, fortemente reprimida pelo regime responsável por uma sociedade patriarcal e teocrática. É uma homenagem à coragem das mulheres iranianas. Embora com eleições, o Irã não é uma democracia. Havia também eleições durante a ditadura militar no Brasil.
Podíamos parar por aqui, mas houve um acidente e uma coincidência importante. Alguns dias antes da exibição em Cannes do filme A Semente da Figa Sagrada, caiu o helicóptero presidencial iraniano nas montanhas. Para Ebrahim Raissi as montanhas foram o obstáculo que o impediu de retornar ao Irã depois de uma viagem ao Azerbaijão; para Mohammad Rasoulof as montanhas foram a proteção de que precisava para deixar incógnito o Irã.
E quem era ou quem foi o falecido presidente iraniano? Uma resposta está na TV GGN. “Seria um humanista, como se diz no Irã?” Resposta: “era um discípulo de Ali Khamenei, muito cotado, era um homem muito rigoroso no que se refere às regras morais, como na questão da vestimenta das mulheres. Nas últimas manifestações que houve no Irã, ele reprimiu com mão de ferro… e não houve nenhuma reformulação depois disso”.
Ora, dizer apenas que Ebrahim Raissi era “muito rigoroso na questão da vestimenta das mulheres” e deixar passar, sem comentar, a versão iraniana do presidente “humanista”, vai de encontro a todas as informações da imprensa internacional, direita e esquerda reunidas, sobre quem era considerado um “carrasco” com a fama de “açougueiro do Irã”. responsável por cerca de 5 mil mortes na forca. Em síntese, de longe muito pior que o coronel Carlos Brilhante Ustra, o torturador e assassino do DOI-Codi. Driblar a verdade é uma forma de fake news. O entrevistado pela TV GGN deveria ter lido, pelo menos, as informações divulgadas pela Anistia Internacional. (segue o link)
Ainda no mesmo canal, a correspondente de Londres refuta ter havido violações e estupros de mulheres no ataque do 7 de outubro aos kibutzim israelenses, referindo-se a desmentidos feitos pelo próprio The New York Times. Tem havido esse tipo de negacionismo por certos setores de esquerda, porém o The New York Times colocou fim a essa fake news, numa declaração definitiva bastante divulgada (ver link abaixo – Sexual violence) É sempre estranho ouvir ou ler mulheres deixando de se solidarizar com mulheres israelenses ou iranianas, como notamos também no Opera Mundi. Sem esquecer que as mulheres palestinas vivem submissas e sem direitos no regime autoritário teocrático islamita do Hamas.
Para quem quiser conferir:
Quem assume presidência do Irã após morte de Ebrahim Raisi | TV GGN 20H | (20/05/24) https://www.youtube.com/watch?v=enm1t0X3f2o&t=2439s
Morte do presidente do Irã: o que muda no Oriente Médio? – PROGRAMA OUTUBRO https://www.youtube.com/watch?v=fPJUscolVzw
Sexual violence | Main article: Screams Without Words
On 9 January 2024, the Hamas rape report, titled ‘Screams Without Words’: How Hamas Weaponized Sexual Violence on Oct. 7, was removed from the scheduled The New York Times podcast channel, The Daily. Some relatives of Gal Abdush, one of the victims mentioned in the story, stated that there was no proof of rape and that The New York Times had interviewed them under “false pretenses”.[30][31][32] The article reportedly caused what The Intercept called a “furious internal debate” about the strength of its reporting,[33] and according to Jeremy Scahill was met by skepticism from other New York Times journalists.[32] The Times ultimately stood by its story, calling it “rigorously reported, sourced and edited.”[34]
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.