Rio de Janeiro, 04 de Dezembro de 2024

‘Ela Disse’: a dor do silêncio

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Terça, 26 de Novembro de 2024 às 09:26, por: CdB

Longa apresenta uma gama intrincada de abusos sexuais e intimidações, por parte do diretor Harvei Weinstein, fundador da Miramax, e de como perpetuou o silêncio de suas vítimas.

Por Elza Campos – de Brasília

A leitura de As mulheres ou os silêncios da história de Michele Perrot, permite observar que, em diferentes momentos históricos e no cotidiano das vivências, as mulheres por anos foram silenciadas, resistiram e resistem à sua maneira. Muitas vezes de modo silencioso, seja na escrita mesmo escondendo a autoria. Assim, a película Ela Disse, no original She Said, inquietante do início ao fim, vai apresentando uma gama intrincada de abusos sexuais e intimidações, por parte de um grande diretor, o fundador da Miramax, Harvei Weinstein e de como perpetuou o silêncio de suas vítimas. 

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As atrizes Carey Mulligan e Zoe Kazan em cena do filme: “Ela Disse”

O drama documentário estadunidense do ano de 2022 é dirigido pela atriz, roteirista e diretora alemã Maria Schrader, exaustivamente investigado e escrito pelas repórteres Megan (Carey Mulligan) e Jodi (Zoe Kazan). O extenso artigo foi publicado no The New York Times, após intensas pesquisas, inquirições, idas e vindas, conversas com atrizes famosas que sofreram assédio e estupro e se silenciaram por muitos anos, seja por medo, seja por se colocaram como culpadas ou mesmo pelo receio de colocar sua carreira em risco, constrangimento e exposição pública, ou a responsabilidade por algum prejuízo moral, emocional ou material, considerando o poder do abusador. Depois de um longo período, uma das atrizes abusadas consegue concretizar a denúncia.

O trabalho das repórteres intensamente vivido por Carey Mulligan e Zoe Kazan, ressalta os sentimentos que ambas vivenciaram durante esse processo sendo mães de meninas, destacando a angústia sentida pelas atrizes que sofreram os abusos sexuais. Quando entrevistadas relatam de forma pormenorizada a aflição com os atos praticados e as ameaças pelo assediador em seu intento. Caso não atendessem as investidas de Weinstein, seriam demitidas ou colocadas de lado, como de fato aconteceu com várias vítimas.

Chama atenção no início do filme, denúncias de assédio contra Donald Trump, com a fala das repórteres questionando que mesmo com tais situações de assédio, Trump é eleito presidente em 2016.

Após inquietantes noites de sono e conversas permeadas por intensa apreensão finalmente, a famosa atriz Ashley Judd, resolve e consegue fazer a delação. Outras atrizes como: Mira Sorvino, Jessica Barth, Katherine Kendall, Rose McGowan, Florence Darel, Judith Godreche, Emma de Caunes, Alice Evans, Lysette Anthony, Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow, Uma Thurman, Lupita Nyong’o, Léa Seydoux e Salma Hayek, incluindo também funcionárias e modelos da indústria cinematográfica, somando quase uma centena de casos de assédios, intimidações e estupros, ocorridos por três décadas. Muitas delas abandonaram a profissão.  (https://encurtador.com.br/KwKFd).  

Repercussões das delações

As repercussões dessas delações foram profundamente impactantes, fizeram resurgir em 2017 o famoso movimento contra o assédio e a agressão sexual: “Me Too” (ou movimento #MeToo). O movimento foi iniciado pela ativista social estadunidense Tarana Burke que, ao expor a frase “Eu também” (“Me Too”), em 2006 acabou por ser popularizada pela atriz Alissa Milano em uma rede social no ano de 2017, o que também contribuiu para encorajar as vítimas de assédio sexual, expondo a magnitude mundial deste abuso e de como a prevalência generalizada da agressão sexual e assédio, especialmente no local de trabalho, traz prejuízos emocionais, muitas vezes pela vida toda. (https://encurtador.com.br/UDCrS). Recentemente a organização “Me Too Brasil” se pronunciou contra as denúncias de assédio sexual contra o ex-ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida.                                                                 

Em julho de 2022, em minha coluna do Portal Vermelho foi publicado artigo tratando dessa temática ao analisar o curta: O Assédio, dirigido por Aniela Paes, que narra a história de mulheres que sofreram assédio moral e sexual em um grande escritório de advocacia. Demonstramos então o caso das trabalhadoras da Caixa Econômica Federal, que apresentaram situações de assédios cometidos pelo então presidente da Caixa Econômica Federal o repugnante Pedro Guimarães, do governo do também inescrupuloso Bolsonaro. Segundo matéria da Carta Capital, naquele ano, o governo federal teve em média uma denúncia de assédio sexual por dia.  (Dados da Controladoria Geral da União). O número de denúncias de assédio na administração federal de Bolsonaro no primeiro semestre, foi de 704, das quais 545 de assédio moral e 85 de sexual. Em 2022, o aumento foi de 93%, portanto, quase o dobro, quando comparado ao mesmo período de 2021.

Ataques às mulheres e a postura misógina deveria figurar como uma dentre as dezenas de crimes cometidos pelo fatídico ex-presidente que agora indiciado, pode trazer um respiro para o processo democrático, à população brasileira e notadamente às mulheres. Temos muita luta pela frente para que possamos enterrar a política ultraneoliberal e genocida, que ataca fortemente a democracia, ataca e destrói as políticas públicas, incita a violência em um país de estrutura patriarcal como o Brasil.                              

O movimento unitário, solidário, de sororidade, de resistência, pode em diversos momentos da história realizar a devida justiça. Que nesse 25 de novembro, data em que marca a luta internacioanl pela não violência às mulheres e meninas, possamos enfrentar essa terrível violação dos direitos humanos, que se caracteriza como uma crise de saúde pública e um enorme obstáculo ao desenvolvimento sustentável e solidário. 

Que histórias comoventes dessa resistência e da construção de uma estética de justiça, expressa em lutas que demonstram rebeldia ante o controle por regras arcaicas, de tentativa do domínio de opressão como do filme aqui analisado, que terminou com a prisão de Harvey Weinsten, sentenciado por um juiz de Nova York a 23 anos de prisão.

Confira o trailer.

Ficha técnica: “Ela Disse” (She Side) – Prime Video, 2022

Direção: Maria Schrader

Gênero: Drama   

Elenco: Carey Mulligan, Zoe Kazan, Patrícia Clarkson, Samantha Morton.

Elza Campos, é assistente social, mestra em Educação (UFPR), ex-presidenta nacional da União Brasileira de Mulheres (UBM) e Secretária de Mulheres do PCdoB-PR.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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