Revogar as mudanças perversas patrocinadas pelo financismo é também abrir as portas para a recuperação da demanda interna e permitir que o Brasil reencontre o caminho do crescimento.
Por Paulo Kliass – de Brasília
A antecipação das articulações em torno das candidaturas que deverão disputar o pleito presidencial de outubro tem trazido à tona do debate político algumas questões estratégicas para as possibilidades de recuperação da economia a partir de 2023. E aqui me refiro apenas a alguma novidade positiva para o ano que vem, uma vez que as próprias previsões definidas pela nata do financismo tupiniquim já apontam para um crescimento irrisório do PIB ao longo de 2022. Os dirigentes das instituições financeiras agora chutam para um número inferior a 0,3%.Austericídio, recessão e desemprego
Não foi mera coincidência que o início da implementação da política de austeridade rigorosa tenha marcado também o começo do período em que a estagnação e a recessão tenham sido a marca mais significativa de nossa economia. Reforma previdenciária, reforma trabalhista, cumprimento rigoroso da política de superávit primário e teto de gastos foram elementos fundamentais desses sete anos de desastre social e econômico. No entanto, chama a atenção que uma das questões presentes nesse conjunto de políticas públicas conservadoras tenha sido a recuperação do conceito de “custo Brasil” e a necessidade de redução dos componentes da força de trabalho em mais esta falácia apresentada pelos representantes das classes dominantes de nosso país. A desculpa apresentada para promover políticas de desmonte do arcabouço montado à época da Assembleia Nacional Constituinte em 1986 sempre foi a necessidade de recuperar a capacidade de inserção internacional de nossa economia. Para nossas elites, o cerne do problema residia na elevada carga tributária, na presença excessiva do Estado na economia e no custo elevado da mão de obra. Aproveitando-se do baixo crescimento verificado no PIB de 2014 e de uma retomada da inflação no início de 2015, teve início uma nova campanha pela austeridade fiscal e pela redução da demanda interna como ferramenta (equivocada) de busca do equilíbrio macroeconômico. A opção pela escalada da taxa oficial de juros levou a Selic a um patamar absurdo de 14,25% ao ano, uma vez que o objetivo era esse mesmo, reduzir a chamada “demanda agregada” para controlar o crescimento dos preços. O resultado atendeu ao objetivo esperado: foi exitosa a tentativa de promover uma recessão no biênio 2015/6, tendo como resultado os trágicos registros inferiores a -3% no PIB em cada um dos anos. Entre 2017 e 2021, a marca foi uma estagnação média.

Lula e as mudanças na Espanha
Assim, torna-se naturalmente compreensível que o debate acerca da efetividade e da necessidade de tais medidas volte à cena política. A candidatura de Lula parece interessada em rever esse percurso. O ex presidente tem afirmado que seu programa de governo não deve satisfação à chamada “Faria Lima” e sim à maioria do povo brasileiro. Dentre outros recados implícitos em tal manifestação, é razoável supor que uma revisão das últimas medidas na área da legislação trabalhista esteja em vista. O mote para tal estratégia reside na decisão recente tomada pelo novo primeiro ministro da Espanha de promover uma revogação das medidas adotadas naquele país ao longo da última década. O novo governo liderado pelo Psoe, com Pedro Sanchez no cargo de Primeiro Ministro, articulou o restabelecimento de direitos trabalhistas que haviam sido suprimidos. O principal argumento apresentado foi também a necessidade de assegurar mínimas condições para a população trabalhadora e o reconhecimento oficial do fracasso da legislação restritiva, apresentada pelo governo conservador do Partido Popular (PP) em 2012, em promover a recuperação do nível de emprego.
Logo depois do “golpeachment” que retirou Dilma do Palácio do Planalto, Temer procurou ancorar a necessidade de sua reforma nas experiências daquele país europeu. Ele aproveitou, inclusive, a vinda do Primeiro Ministro espanhol, Mariano Rajoy, ao Brasil em 2017 para reafirmar que aquelas medidas eram a fonte inspiradora das propostas de flexibilização da CLT que seu governo havia encaminhado ao Congresso Nacional.
Ora, se não deu certo por lá e tampouco por aqui, nada mais natural do que acompanhar a mudança verificada na Espanha. E não se trata apenas de reparar uma injustiça histórica e restabelecer os direitos subtraídos ao conjunto da população assalariada e aos trabalhadores de forma geral. Revogar as mudanças perversas patrocinadas pelo financismo é também abrir as portas para a recuperação da demanda interna e permitir que o Brasil reencontre o caminho de um crescimento continuado e sustentado das atividades econômicas. Ao que tudo indica, parcelas crescentes do próprio empresariado estão aos poucos percebendo que não é mais possível apenas dar continuidade a modelos perpetuadores de exclusão e de desigualdade.
OIT alerta para necessidade de maior empenho dos governos
Além disso, a própria Organização Internacional do Trabalho (OIT), integrante do sistema das Nações Unidas, também tem alertado para a necessidade de os países adotarem políticas públicas mais incisivas para auxiliar no processo de recuperação do nível de emprego. De acordo com as informações constante no mais recente relatório apresentado pela entidade, o “Perspectivas Sociais e de Emprego no Mundo, Tendências 2022”, a maioria dos países do mundo está enfrentando um momento de maiores dificuldades para retornar aos níveis pré-pandemia no que se refere à criação de postos de trabalho. A situação brasileira não é nada confortável e a entidade prevê que apenas em 2024 voltaríamos ao patamar de 2019. Para tanto, a implementação de políticas públicas de geração de emprego e um maior nível de articulação com entidades de empregados e empregadores torna-se essencial. As eleições de outubro serão um bom momento para sinalizar na direção das mudanças necessárias. A realidade demonstrou que as “soluções mágicas” levadas a cabo desde 2015 revelaram-se uma verdadeira tragédia social e econômica. O resultado veio sob a forma de recessão, desemprego, aumento da miséria e da fome. Basta!Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
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