O câncer é uma das principais causas de morte prematura entre mulheres. Milhões de vidas poderiam ser salvas se elas tivessem mais acesso a prevenção e tratamento. Especialistas exigem abordagem feminista da questão.
Por Redação, com DW - de Berlim
O câncer é uma das três principais causas de morte prematura entre mulheres com menos de 70 anos em todo o mundo. A cada ano, 2,3 milhões delas morrem prematuramente da doença. Agora, uma nova análise concluiu que 1,5 milhão dessas vidas poderiam ser salvas se os principais fatores de risco fossem eliminados e a detecção precoce, melhorada. Outras 800 mil mortes poderiam ser evitadas se todas as mulheres tivessem acesso a um tratamento adequado.
Uma nova comissão do grupo de revistas científicas The Lancet, criada para dar recomendações aos formuladores de políticas sobre sistemas de saúde e assistência social, observa que a discussão sobre o câncer em mulheres cisgênero geralmente se concentra em tipos de câncer como o de mama e do colo de útero. No entanto, cerca de 300 mil mulheres com menos de 70 anos morrem todos os anos de câncer de pulmão, e 160 mil, de câncer colorretal.
Nas últimas décadas, o número de mortes por câncer de pulmão em mulheres tem sido maior do que por câncer de mama em muitos países de alta renda, diz Isabelle Soerjomataram, vice-chefe da Divisão de Vigilância do Câncer da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc) e copresidente da comissão da Lancet.
Agenda feminista para mudança social
O fato de as mulheres terem acesso tão precário a prevenção, detecção e tratamento do câncer se deve, em grande parte, às desigualdades de gênero. A comissão da Lancet pede, portanto, uma nova agenda feminista para o tratamento do câncer, que aborde a questão da desigualdade.
Nos sistemas de saúde, no tratamento e na pesquisa do câncer, as necessidades das mulheres precisam ser levadas em conta de forma muito mais intensa a fim de reduzir o risco global de câncer para as mulheres.
Um novo relatório "Women, power and cancer: A Lancet commission" (Mulheres, poder e câncer: Uma comissão Lancet) envolveu uma equipe internacional altamente diversificada de pesquisadores nos ramos de estudos de gênero, direitos humanos, direito, economia, ciências sociais, prevenção e tratamento do câncer e defesa dos interesses dos pacientes.
– Globalmente, a saúde da mulher geralmente se concentra na saúde reprodutiva e na saúde materna, o que anda de mãos dadas com definições antifeministas estreitas do valor e do papel da mulher na sociedade, enquanto o câncer permanece completamente sub-representado – afirma Ophira Ginsburg, consultora sênior de pesquisa clínica do Centro de Saúde Global do Instituto Nacional do Câncer (NIH) dos Estados Unidos.
Riscos de câncer em mulheres
Segundo a comissão, as causas e os fatores de risco do câncer em mulheres precisam ser estudados mais a fundo, já que são menos conhecidos do que os envolvendo câncer em homens. Por exemplo, há muitas evidências sugerindo que exista uma ligação entre determinados produtos usados predominantemente por mulheres, como clareadores de pele e alisadores de cabelo, e um maior risco de câncer.
Muitas sequer estão cientes de vários fatores de risco evitáveis. Cerca de 1,3 milhão de mulheres de todas as idades morreram em 2020 como resultado de quatro dos fatores de risco mais importantes para o câncer: tabaco, álcool, obesidade e infecções.
Um estudo de 2019 mostrou, por exemplo, que apenas 19% das mulheres que compareceram a um exame de câncer de mama no Reino Unido sabiam que o álcool era um fator de risco importante para o câncer de mama.
– Acreditamos que é hora de os governos abordarem essa questão com políticas específicas de gênero que aumentem a conscientização e reduzam a exposição a esses fatores de risco – diz Isabelle Soerjomataram.
Mulheres deixam de lado suas próprias necessidades
Como muitas mulheres em todo o mundo também estão em desvantagem em termos de oportunidades educacionais e de emprego, elas muitas vezes não têm condições financeiras de pagar por tratamentos caros contra o câncer.
Há ainda outro problema: como os homens costumam cuidar menos dos filhos, mulheres com câncer muitas vezes deixam de lado a própria saúde, observa a coautora do relatório Nirmala Bhoo-Pathy, da Universiti Malaya, na Malásia, e da Queen's University Belfast, na Irlanda do Norte.
– Devido às normas de gênero, espera-se que as mulheres priorizem as necessidades da família em detrimento da própria saúde, o que às vezes as leva a adiar a busca por serviços de saúde.
Mulheres como cuidadoras não remuneradas
Os papéis discriminatórios de gênero também levam as mulheres a assumirem majoritariamente o cuidado não remunerado de pacientes com câncer, na maioria das vezes sem que isso seja devidamente valorizado pela sociedade. Dessa forma, a comissão da Lancet solicita a introdução de padrões salariais justos e inclusivos para o cuidado de pacientes com câncer.
Segundo a comissão, a desvantagem feminina em muitas sociedades também prejudica o avanço profissional de mulheres em posições de liderança na pesquisa, prática e políticas sobre o câncer. Esse é um dos principais motivos pelos quais há tão pouca prevenção e tratamento do câncer específico para mulheres. Isso também se aplica a hospitais, centros de tratamento e institutos de pesquisa, dos quais apenas 16% são chefiados por mulheres em todo o mundo.
Fortalecimento dos direitos das mulheres
Portanto, a comissão defende a inclusão de questões específicas de gênero em todas as políticas e diretrizes relacionadas ao câncer para garantir que estas atendam às necessidades e às aspirações de todas as mulheres.
Também são necessárias estratégias para aumentar a conscientização das mulheres sobre os fatores de risco e sintomas do câncer, bem como para melhorar o acesso igualitário à detecção e ao diagnóstico precoce da doença. Isso também poderia ser melhor garantido por meio da representação igualitária de mulheres em cargos de liderança.