Ao longo das últimas décadas, a OMC exerceu a tarefa de limitar as distorções dos países ricos, enquanto seu tribunal permitiu que o Brasil forçasse europeus e norte-americanos a rever seus subsídios no setor agrícola. No setor de saúde, foi a ação do Itamaraty que forçou a comunidade internacional a estabelecer regras para garantir a produção de remédios genéricos.
Por Redação - de São Paulo
Após a iniciativa de retomar as negociações para o restabelecimento da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende cobrar uma mudança na política externa dos Estados Unidos e o fim da paralisia da Organização Mundial do Comércio (OMC). A instituição, que define as regras do comércio e é considerada como estratégica para o Brasil, foi deixada à deriva ao longo dos últimos anos.
“O temor das economias emergentes é que, sem a OMC, o que prevaleça seja a lei dos países mais poderosos, impondo padrões, regras e comportamentos que podem prejudicar os exportadores nacionais”, escreveu o jornalista Jamil Chade, em sua coluna no portal de notícias UOL, nesta quarta-feira.
Ainda segundo Chade, nesta quarta-feira, o novo posicionamento do Brasil foi apresentado pelo chanceler Mauro Vieira, em uma reunião ministerial em Paris. “O Itamaraty considera como ‘inconcebível’ simplesmente deixar a OMC morrer ou cair num esquecimento completo. O chefe da diplomacia brasileira vai convocar os demais governos, principalmente a administração de Joe Biden, a um compromisso para resgatar a entidade”.
Retrocesso
“Antes da reunião, Mauro Vieira esteve com Don Farrell, ministro do Comércio e Turismo da Austrália e coordenador do encontro desta quarta-feira. Segundo relatos da conversa, houve uma ‘coincidência total’ sobre a necessidade de reativar os tribunais da OMC e revitalizar a entidade” acrescentou.
De acordo com as apurações do correspondente internacional, “a avaliação do governo Lula, a atual situação representa um retrocesso de décadas em todo o esforço para se criar regras internacionais sobre dezena de setores. A erosão política é ainda considerada como prejudicial ao país ao retirar qualquer tipo de previsibilidade para que exportadores de países emergentes possam expandir suas atividades”.
“A iniciativa é o primeiro ato concreto do Brasil no campo do comércio internacional e dando forma ao que Lula vem defendendo na reconstrução do sistema multilateral. Durante a cúpula do G7, o presidente brasileiro foi enfático na crítica aos países ricos e no processo de esvaziamento dos organismos internacionais. Vieira, portanto, fará um chamado para que governos retirem a OMC da atual paralisia e para a necessidade de que novas regras sejam estabelecidas”, acrescentou.
Governo Biden
Ao longo das últimas décadas, a OMC exerceu a tarefa de limitar as distorções dos países ricos, enquanto seu tribunal permitiu que o Brasil forçasse europeus e norte-americanos a rever seus subsídios no setor agrícola. No setor de saúde, foi a ação do Itamaraty que forçou a comunidade internacional a estabelecer regras para garantir a produção de remédios genéricos. Foi também na OMC que a Embraer travou uma longa batalha judicial para poder competir de igual para igual com as maiores fabricantes de aeronaves do mundo.
A instituição, no entanto, foi golpeada brutalmente durante o governo de Donald Trump, que esperava frear o desenvolvimento chinês e passou a ignorar as regras internacionais do comércio com a imposição de sanções e tarifas mais alta. Desde então, uma guerra comercial foi instaurada no mundo.
“Para a surpresa de dezenas de países pelo mundo, o mesmo comportamento foi mantido pelo governo de Joe Biden. A OMC continuou paralisada e seus tribunais disfuncionais. Para o governo brasileiro, já em seu terceiro ano, Biden precisa esclarecer o que pretende fazer com a entidade, com as regras do comércio e suas ideias sobre uma eventual reforma. Entre diplomatas estrangeiros, o temor é de que, entrando uma nova campanha eleitoral nos EUA em 2024, pouco possa acontecer numa eventual reforma do sistema internacional”, conclui Chade.