No primeiro dia da mostra teve lugar a obra Alma no Olho – O legado de Zózimo Bulbul e o cinema negro brasileiro contemporâneo.
Por Redação, com RBA e agências internacionais - de Roterdã, Holanda
O cinema brasileiro chega, pela primeira vez, a uma mostra internacional que reúne filmes e a maior delegação de realizadores do cinema negro nacional. A 48ª edição do Festival Internacional de Roterdã (IFFR), na Holanda, teve início na quinta-feira e vai até esta segunda-feira.
No primeiro dia da mostra teve lugar a obra Soul in the Eye – Zózimo Bulbul’s legacy and the contemporary Black Brasilian cinema (Alma no Olho – O legado de Zózimo Bulbul e o cinema negro brasileiro contemporâneo). O festival conta com a exibição de 28 filmes, quatro longas e 24 curtas metragens do produção negra do Brasil.
A curadoria é da professora Janaína Oliveira, do Instituto Federal do Rio de Janeiro, em parceria com os programadores do festival Tessa Boerman e Peter Van Hoof. Doutora em História, Janaína é integrante da Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (Apan).
— Essa mostra é relevante por uma série de motivos. É um momento histórico, não só para o cinema negro, mas para o cinema brasileiro como um todo. Isso nunca aconteceu, de você ter uma mostra nos maiores festivais do mundo, com a quantidade de filmes, a presença dos realizadores. Entre curtas, longas, diretores, assistentes de fotografia, atriz, temos cerca de 19 brasileiros aqui — disse Oliveira, a jornalistas.
Informação
Para a professora, a mostra é um aceno de otimismo, resultado de um processo de transformações vividas no Brasil de 2003 a 2016, com políticas globais de educação inclusiva, com as ações afirmativas no audiovisual, novas escolas de cinema fora das principais capitais. Medidas fundamentais para o surgimento dessa nova geração de cineastas que hoje vê seu trabalho contemplado na mostra internacional.
— Tudo isso junto tornou possível que essas pessoas tivessem acesso à universidade, à formação. Essa geração que a gente vê aí com esses filmes representam uma coisa que a gente não pode esquecer nesse período que a gente está vivendo: alguns processos não têm como retroagir, retroceder. Educação é um deles. Uma vez que as pessoas têm acesso, têm formação, e não é uma coisa que se pode tirar. Continuamos aí produzindo, fazendo, buscando formas, não importa o contexto — acrescentou.
Foi lindo
Janaína Oliveira reforça que esse processo representa que quando um país tem iniciativas globais por parte das políticas de governo, de educação, de acesso e permanência nos espaços, as transformações sociais acontecem.
— É a prova disso, apesar de todas as políticas nesse sentido estarem em xeque, sendo revogadas — lamenta.
A historiadora conta que a mostra foi aberta, na quinta-feira, justamente por Abolição, primeiro e único longa-metragem de Zózimo Bulbul.
— E como nada é por acaso, foi quando se completaram cinco anos da passagem do Zózimo. Na abertura falei disso, falei dele e ao invés de fazermos um minuto de silêncio, fizemos um minuto de aplauso. Foi muito lindo — relata, emocionada.
Bulbul
A mostra Soul in the Eye é o terceiro programa que destaca os principais movimentos do cinema pan-africano, mas dessa vez voltado totalmente para a produção do cinema negro brasileiro, “a maior comunidade da diáspora africana no mundo”, ressalta Janaína. “E ligamos o recente surto de filmes brasileiros negros ao trabalho pioneiro do ator, produtor, diretor e ativista Zózimo Bulbul.”
O curta-metragem Alma no olho foi escrito, dirigido e interpretado por Zózimo Bulbul, em 1973. Inspirado no livro Soul on Ice, de Eldrige Cleaver e dedicado a John Coltrane, o filme de onze minutos foi a estreia do cineasta e se tornou referência para os realizadores negros.
Nascido em 1937, no Rio de Janeiro, Bulbul iniciou sua carreira no início dos anos 1960 como ator durante a era do Cinema Novo. Fez mais sete curtas e o longa-metragem Abolição, documentário épico em comemoração ao centenário do fim da escravidão no Brasil.
O ativista pan-africano lutou durante toda sua vida para denunciar o apagamento das culturas africanas e afrodescendentes. “Em 2007 criou o Centro Afro Carioca de Cinema, um quilombo no coração do Rio de Janeiro como ele próprio costumava dizer, e fundou o Encontro de Cinema Negro - Brasil, África e Caribe, um dos primeiros festivais de cinema negro na América Latina e o maior até o presente”, relata Janaína, que trabalhou com Bulbul como pesquisadora até sua morte, em 2013.