Frase de Bolsonaro para não esquecer: "O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Por Dalton Rosado.
Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer. Que eu sirva para que, pelo menos, eu possa ser um ponto de inflexão, já estou muito feliz."
Quando Jair Bolsonaro balbuciou tais sandices em março de 2019, a impressão que dava é de não passar de uma tentativa canhestra, repleta de erros de português, de produzir uma frase de efeito.
Infelizmente, contudo, ele era sincero ao declarar-se um agente da destruição, tanto que já destruiu um sem número de instituições brasileiras e é, por sua sabotagem ao combate científico da covid-19, o maior genocida da História brasileira, responsável direto por dezenas de milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas (pouco me importando se muitos brasileiros desinformados ainda não perceberam isto, pois a ficha acabará por cair para eles também!).
É o que fica evidenciado na entrevista, de autoria de Letícia Duarte para o jornal global El País (acesse a íntegra aqui), com o pesquisador da extrema-direita e etnógrafo estadunidense Benjamim Teitelbaum.
Após 15 meses escutando os delírios de anormais como Steve Bannon, Olavo de Carvalho e Aleksandr Duginautor (conselheiro de Putin), Teitelbaum (foto abaixo) escreveu Guerra pela Eternidade: o Retorno do Tradicionalismo e a Ascensão da Direita Populista, aqui lançado no semestre passado pela Editora da Unicamp.
Eis as principais afirmações de Teitelbaum na longa entrevista:
"O Tradicionalismo [os devotos da seita grafam a palavra assim mesmo, com T maiúsculo] é originalmente uma escola espiritual filosófica que se tornou política em certo nicho. Os seguidores basicamente acreditam que a humanidade está ao fim de um longo ciclo de declínio e que vai ser concluído com destruição e renascimento. O que foi perdido neste ciclo de declínio foi o conhecimento verdadeiro da religião e também a ordem nas nossas sociedades –incluindo a diferença entre homens e mulheres, posições sociais e espirituais.
No lugar disso, teríamos um mundo massificado e secularizado neste processo de modernização. O Tradicionalismo acredita que é preciso haver um cataclismo para restaurar o que acreditam ser a verdade. Um dos elementos desse Tradicionalismo politizado de direita é acreditar que é preciso restaurar uma hierarquia onde homens arianos e líderes espirituais estão no topo, em oposição a materialistas, não-arianos e mulheres.
...o Tradicionalismo acrescenta uma motivação espiritual para o que poderia ser simplesmente uma agenda política do populismo de direita, antiglobalista, antiprogressista. As pessoas podem aderir a isso por diferentes razões, como ressentimento econômico, racismo, antifeminismo… Mas o Tradicionalismo oferece uma motivação religiosa. E esse é um elemento importante.
No caso de Olavo de Carvalho, p. ex., ele não expressa apenas um ódio às elites, desprezo à ciência, à mídia, às universidades. Existe também a visão, um certo mandato espiritual, com o desejo de destruir grandes organizações, como a União Europeia, as Nações Unidas. A seus olhos, a destruição é uma coisa boa.
Isso é assustador e preocupante. Os tradicionalistas acham que essas grandes organizações querem unificar e homogeneizar o mundo com o comunismo, ou com dominação chinesa. Então Olavo quer ver o establishment no Brasil ser quebrado em peças e fraturado: sejam os militares, a universidade, a mídia. Destruição é a agenda.
...essas ideias extremas acabaram vindo à tona basicamente no mesmo momento, e não pelas mãos de Bolsonaro, Trump, e Putin, mas pelas mãos das figuras atrás deles, como uma espécie de Rasputin... os conselheiros místicos, influentes.
...o real sujeito do livro (...) é o que está por trás disso tudo, porque nos encontramos num momento em que as pessoas estão buscando ideologias que parecem destoar tanto do padrão.
E essa ideologia não é o comunismo, não é liberalismo, não é fascismo. O Tradicionalismo é tão fora do mapa que nenhum cientista político, nenhuma think tank em Washington, ninguém no Congresso e nenhum candidato à presidência jamais ouviu falar dele.
E esse movimento ainda assim se sustenta. Há tanto desencanto, tanta frustração com o status quo, que nós vemos atores buscando alternativas radicais.
...O Tradicionalismo é anti-progressista num nível que raramente vemos. Muitas pessoas costumam chamar a si mesmas de conservadoras, mas quase todo mundo no campo conservador é basicamente progressista no mundo ocidental. Elas acreditam que, se você reduzir as regulações governamentais do capitalismo e aumentar a liberdade individual sobre a propriedade, você pode criar uma sociedade melhor. Eles não são nostálgicos.
O Tradicionalismo vai na direção diametralmente oposta. Eles não acreditam que seja possível mudar ou melhorar a história, acham que é preciso desfazer todo o mal feito para as nossas sociedades, e isso não significa voltar apenas décadas para trás, mas séculos.
O fascismo é futurista, modernista, a despeito de tudo. Hitler e Mussolini queriam transformar radicalmente suas sociedades, revolucioná-las. O Tradicionalismo vai na direção contrária: quer voltar para trás, num nível que ninguém leva muito a sério. E é nesse ponto que as ideologias se separam.
Ambas se opõem ao feminismo, ao multiculturalismo, às políticas emancipatórias contemporâneas. Mas as diferenças são significativas. Há um elemento de destruição no Tradicionalismo que não necessariamente existe no fascismo.
...(sobre as teorias da conspiração culpando a China pela pandemia) Para Bannon e Ernesto Araújo, há uma questão mais específica: o fato de a China ser secular, antirreligião, e ao mesmo tempo massificante, globalizante, por estar eliminando fronteiras. Isso é um problema para os nacionalistas... para os tradicionalistas, a China não é uma vilã apenas pela questão econômica, mas é um demônio metafísico.
...Trump perdeu, mas ele continua sendo incrivelmente popular entre a direita. Não há nada parecido, nenhum republicano jamais recebeu tantos votos nos Estados Unidos. E além disso os republicanos ainda foram muito bem nas votações do Senado, no Congresso. Eles têm uma penetração crescente entre grupos minoritários e pessoas sem diploma.
Tenho entrevistado muitos jovens republicanos e eles seguem a cartilha de Trump. Eles acreditam que Trump mostrou que, se conseguirem combinar políticas econômicas liberais com políticas sociais conservadoras, eles podem vencer os democratas. Isso deve manter a ideologia trumpista viva".
Dalton Rosado, fundador de Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos de Fortaleza, foi também fundador do PT em 1981 em Fortaleza, do qual fui expulso em 1988. Participou, em 1985, da coordenação da campanha da primeira vitória petista numa capital; foi secretário municipal de finanças da administração popular de Fortaleza, da Prefeita Maria Luiza Fontenele, e candidato a prefeito de Fortaleza por ela apoiado. É colaborador do blog Náufrago da Utopia, onde foi publicado este comentário.
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