Governo vai restringir anúncios de influencers que promovem apostas a partir de 2025. Especialistas questionam falta de urgência em executar a medida e descrevem cenário “calamitoso” de propaganda desenfreada.
Por Redação, com DW – de Brasília
No começo de agosto, o governo restringiu anúncios com influenciadores promovendo apostas no Brasil, mas as medidas só terão início efetivamente em 2025. Hoje, o cenário de perfis prometendo ganhos fáceis e riqueza através das plataformas é intenso nas redes sociais.
Dentre eles, há denúncias de crianças promovendo jogos, e até promessas de informações privilegiadas para apostas em partidas manipuladas. Especialistas cobram maiores restrições, reforçando que a publicidade pode impulsionar o jogo de forma inconsequente e o vício, contribuindo com perdas financeiras e problemas emocionais.
Segundo a portaria publicada pelo governo, serão vedadas as ações de publicidade que “apresentem a aposta como socialmente atraente ou contenham afirmações de personalidades conhecidas ou de celebridades que sugiram que o jogo contribui para o êxito pessoal ou social ou para melhoria das condições financeiras”. As normas também impedem propagandas que deem a entender que é possível desenvolver habilidade para influenciar o resultado de uma aposta, como a descoberta de falhas ou métodos “infalíveis”.
Propaganda desenfreada
No Brasil, as apostas esportivas operam desde 2018 com uma legalização que não veio acompanhada de uma regulamentação mais ampla, ou seja, sem medidas mais detalhadas para publicidade, algo que deverá mudar a partir do próximo ano. Na visão de Carlos Portugal Gouvêa, professor de Direito Comercial da Universidade de São Paulo (USP) e sócio fundador do PGLaw, o cenário criou uma situação em que a publicidade ocorre de forma “calamitosa” no país.
Sobre as medidas atuais, ele questiona que as regulamentações de um tema “urgente” irão valer apenas depois de seis meses da publicação da portaria, acreditando que se trata de um “reconhecimento da própria falha” em lidar com a questão. O tema ficou a cargo da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, que ele acredita ter um espaço limitado de ação.
Em sua visão, a portaria atual dispõe de questões genéricas em sua maioria, o que deve dificultar uma maior efetividade das medidas. “O órgão não tem capacidade de fiscalização e fez normas de difícil aplicação, já que são muito abertas”, avalia. Em sua visão, a efetividade das medidas dependeria de um volume bem maior de verificação da publicidade do que aquele que será disponibilizado.
Uma grande parte das medidas trata de jogo “responsável” e de indicações sobre a proibição para menores de idade. Além disso, ficarão vetadas as propagandas de empresas que não estejam regulamentadas junto ao governo, o que também passará a valer no próximo ano.
– No caso de bebidas alcóolicas, sabemos fazer isso. Ninguém faz propaganda na internet, e nem em jogos de futebol, já que sabemos que há crianças assistindo. É preciso regulamentar a publicidade das apostas da mesma forma que outras coisas que causam vício, como álcool e fumo – afirma o professor.
– Existem vários riscos associados ao marketing, que incentiva as pessoas a jogar quando de outra forma não fariam – avalia Heather Wardle, professora da Universidade de Glasgow, na Escócia, e especialista em apostas esportivas. “Nossas investigações mostram que as pessoas que já sofrem danos causados pelo jogo são as mais suscetíveis, o que corre o risco de agravar os danos”, aponta, o é particularmente preocupante, dada a forte associação entre jogo e suicídio, conclui.
Crianças e ações policiais
Já nas redes sociais, uso de influenciadores na promoção de apostas no Brasil é quase onipresente, chegando até crianças e a ser caso de polícia. O Instituto Alana, ONG que atua na defesa da infância e da adolescência, fez uma denúncia ao Ministério Público (MP) sobre publicidade ilegal de cassinos online veiculada por crianças e adolescentes em redes sociais. Um destaque é o perfil de uma influenciadora de apenas seis anos que deu espaço a propagandas de cassinos e bets.
Além disso, uma série de influenciadores foi alvo de operações policiais por prometer lucro fácil em caça-níqueis online como o Fortune Tiger, popularmente conhecido como Jogo do Tigrinho. Em Minas Gerais, a Polícia Civil realizou uma série de ações contra perfis consolidados nas redes com milhões de seguidores, com frequência tendo como alvo veículos e outros itens de luxo.
Em um dos casos, um casal de influenciadores é investigado por movimentar mais de R$ 20 milhões supostamente adquiridos com a promoção do caça-níquel. Nesta ação, ambos foram autuados pelos crimes de promoção de jogos de azar e contra a economia popular. Outras operações tratam ainda de outros crimes, como estelionato.
Promessas falsas
O segmento das apostas esportivas apresenta uma ampla gama de influenciadores buscando se destacar oferecendo dicas e outros serviços para “turbinar os lucros”. Atualmente, em perfis intitulados “traders esportivos”, há uma série de promessas de como “alavancar” os investimentos no mercado, com frequência ostentando carros e viagens internacionais supostamente pagos com os rendimentos das apostas no futebol.
Diversos contam com dezenas de milhares de seguidores, e alguns ultrapassam até mesmo os milhões. Um dos mais famosos se descreve como “uma máquina de ganhar dinheiro” que ficou “rico apostando”.
– As relações comerciais entre estes influenciadores e as empresas de jogo não são nada claras – aponta Wardle. “Não está claro se as empresas estão alterando as hipóteses de ganhar e é improvável que o influenciador esteja apostando o seu próprio dinheiro e, portanto, provavelmente se comportará de uma forma muito diferente do que se estivesse se arriscando”, pondera.
Muitas contas têm anúncios patrocinados nas plataformas, e alguns perfis vão além, prometendo ganhos a partir de esquemas com robôs e inteligência artificial que impulsionariam os acertos. “Vender desinformação sobre os benefícios do jogo sem qualquer informação sobre as possibilidades realistas de ganhar ou o risco de danos é moral e eticamente duvidoso e não deve ser permitido”, alerta Wardle.
Em casos mais ousados, os perfis oferecem supostas informações privilegiadas sobre jogos manipulados, normalmente envolvendo divisões inferiores do futebol brasileiro. A publicidade costuma levar a links de grupos no Telegram, onde partidas com resultados supostamente combinadas são oferecidas. Um dos grupos ao qual à agência alemã de notícias Deustche Welle (DW) teve acesso contava com mais de 50 mil integrantes.
Em alguns casos, a promessa de grandes rendimentos com as apostas pode ser base para esquemas de pirâmides financeiros. Em julho, um homem em Mirandópolis (SP) foi acusado por centenas de vítimas de fugir com o dinheiro que elas haviam depositado em sua suposta casa de apostas, que prometia rendimentos de 13% ao mês.
Exemplos internacionais
Em 2018, a Itália, país assolado por escândalos históricos de manipulação de resultados esportivos, decidiu pela proibição completa da publicidade de casas de apostas esportivas. Desde então, uma série de plataformas, incluindo a Alphabet, que controla o Youtube, foram processadas no país por supostamente permitir propagandas de jogos de azar.
Já a França capitaneou um movimento pela proibição de propagandas de apostas por parte de influenciadores, que ganhou outras adesões. Na Espanha, a “lei dos influenciadores” proibiu toda publicidade de apostas para audiências que sejam consideradas como potencialmente infantis.
Wardle lembra que muitos países confiaram em códigos de conduta voluntários para regular a publicidade, mas que existem vários casos em que estes simplesmente não são cumpridos ou em que são tomadas medidas para contornar os códigos.
Um dos casos mais emblemáticos é das equipes de futebol britânicas da Premier League, que anunciaram um banimento voluntário dos patrocínios em casas de apostas em suas camisas após 2026. Mas até lá, o protagonismo das plataformas no campeonato deverá seguir rivalizando com os principais jogadores: 11 dos 20 times do campeonato têm nas apostas seu patrocínio principal.