Em discurso, Steinmeier descreve crise atual como "a mais severa desde a Reunificação" e faz apelo ao "espírito de resistência" dos alemães. Insegurança é consequência da guerra na Ucrânia, custo de vida e alta inflação.
Por Redação, com DW - de Berlim
O presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, pronunciou nesta sexta-feira em sua residência oficial, o Palácio Bellevue, em Berlim, uma fala que foi descrita como "discurso sobre o estado da nação".
O pronunciamento ocorreu num momento de incertezas para a Alemanha, com uma tônica que visou preparar a população para um futuro próximo difícil como consequência da guerra na Ucrânia, iniciada com a invasão da Rússia ao país em 24 de fevereiro deste ano.
– Deveremos enfrentar anos mais duros, mais árduos – afirmou, acrescentando que a Alemanha deverá viver uma "época de ventos contrários".
Ao mesmo tempo, o presidente apelou ao "espírito de resistência" dos alemães, num momento em que, segundo Steinmeier, o país enfrenta sua crise mais severa desde a Reunificação alemã. O discurso incluiu a crise do custo de vida que afeta grande parte dos alemães em meio a um cenário de inflação crescente e abastecimento de energia, assim como a guerra em solo europeu.
O presidente pediu à população que se concentre no que é exigido para enfrentar a situação atual, uma vez que o país tem uma economia sólida e possui bons institutos de pesquisa, empresas robustas e um Estado de direito vigoroso, além de uma sociedade forte.
Mesmo assim, esses pontos fortes, que, segundo Steinmeier, ajudaram a Alemanha até agora, precisam ser fortalecidos e ampliados. "Precisamos desenvolver capacidade de atuar em conflitos, tanto interna quanto externamente. Precisamos de vontade de autoafirmação e também de força para autocontenção", disse.
Steinmeier ainda destacou que, nesse contexto, a Alemanha não deve desenvolver uma mentalidade de guerra. "Mas precisamos de espírito e de força de resistência" – algo que, prioritariamente, passaria por uma Bundeswehr (Forças Armadas alemãs) forte e bem equipada.
"Virada histórica"
No discurso desta sexta, o presidente alemão descreveu o início da guerra na Ucrânia como uma virada histórica. "Estamos vivenciando a crise mais profunda que a Alemanha reunificada já enfrentou."
Segundo Steinmeier, essa crise está sendo sentida de forma ainda mais dramática porque, nos anos anteriores, a Alemanha vivenciou prosperidade econômica e social. "Durante esse tempo, confiamos no fato de que a liberdade e a democracia estavam em alta em todos os lugares", disse.
Nesse contexto, Steinmeier agradeceu às pessoas na Alemanha que estão recebendo refugiados, organizando coletas de doações e coordenando projetos de auxílio.
A fala do chefe de Estado ocorreu pouco depois de suavisita surpresa à capital ucraniana, Kiev, a primeira desde o início da invasão russa – na ocasião, ele sublinhou a importância da ajuda aos ucranianos.
Em entrevista ao Tagesschau, principal noticiário do canal público ARD, o analista político e consultor de comunicação Johannes Hilje disse que ficou evidente o silêncio rodeando o presidente alemão nos últimos meses, a última alocução sobre a guerra na Ucrânia tinha sido num discurso a sindicatos em maio deste ano.
– Steinmeier anda falando muito pouco. Ele precisa agir com o poder da palavra nesse momento em que as pessoas estão inseguras – avaliou. O texto do Tagesschau também afirma que "muitos sentem falta de palavras encorajadoras, especialmente nas últimas semanas e meses".
Criticado por postura branda
No período inicial da guerra, Steinmeier foi criticado por sua postura branda em relação a Moscou. Em 2016, quando era ministro do Exterior alemão, ele chegou a acusar a Otan de "belicismo" contra a Rússia e apoiou o controverso gasoduto Nord Stream 2.
Desde então, o presidente alemão, que integra uma corrente do seu Partido Social-Democrata (SPD) antigamente favorável a relações mais estreitas com Moscou para ancorar a Rússia num sistema global orientado pelo Ocidente, expressou arrependimento sobre essas posições, e disse que o presidente russo, Vladimir Putin, deveria ser julgado por crimes de guerra.
Durante a sua visita a Kiev, ele disse que a Alemanha "deveria continuar apoiando a Ucrânia – econômica, política e também militarmente".
Mudanças climáticas e democracia
Entre os desafios futuros para a Alemanha, Steinmeier também destacou o aquecimento global.
– Sem luta contra as mudanças climáticas, tudo isso será em vão. Essa batalha requer toda a nossa força. Vamos provar nossa força mudando agora! Vamos capacitar nossos filhos e os filhos de nossos filhos a viver bem em nosso planeta, está em nossas mãos! – discursou.
A defesa da democracia também foi mencionada pelo presidente alemão, que disse que ela precisa ser protegida de ataques tanto externos quanto internos.
– A democracia não funciona sem coesão. E a coesão não acontece por si mesma, precisa ser praticada. É resultado de pessoas, de empatia, de responsabilidade e caridade. Apenas rejeitar a ideia de que não é necessário se empenhar socialmente não é uma resposta aos desafios do nosso tempo – afirmou.
Ausência de Scholz
Diversos representantes de várias organizações do governo federal alemão estavam presentes em Berlim nesta sexta, assim como ONGs e jovens de toda a Alemanha.
A ausência notável, no entanto, foi a do chanceler federal alemão, Olaf Scholz, que também é membro do SPD. Além disso, nenhum membro do governo de Scholz estava presente, tampouco a presidente do Bundestag (Parlamento alemão), Bärbel Bas, também social-democrata.