Rio de Janeiro, 21 de Novembro de 2024

A vitória de Erdogan e a geopolítica

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Terça, 30 de Maio de 2023 às 09:22, por: CdB

O ideal, do ponto de vista das forças avançadas da Turquia, seria a existência de uma alternativa real de esquerda e anti-imperialista que disputasse o poder, o que não estava posto.


Por Carolina Mello – de Brasília


O presidente da Turquia, Tayyip Erdogan, conquistou a reeleição, no domingo, ao vencer o segundo turno contra Kemal Kilicdaroglu, por 52,2% dos votos contra 47,8%. Foi uma disputa acirrada que polarizou a nação turca e interessava diretamente a diversos atores internacionais.




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O presidente da Turquia, Tayyip Erdogan, conquistou a reeleição

Qual o significado da vitória de Erdogan para o povo da Turquia e para a cena política internacional conflagrada em que vivemos? O ideal, do ponto de vista das forças avançadas da Turquia, seria a existência de uma alternativa real de esquerda e anti-imperialista que disputasse o poder, o que não estava posto. Mas como não podemos fazer análises baseadas em cenários abstratos, nos resta ver o que existia de realidade concreta. De um lado, tínhamos um candidato oposicionista de centro, Kemal Kilicdaroglu, que durante a campanha fez juras de fidelidade à Otan, inclusive avisando que, se fosse vencedor, iria “lembrar à Rússia que a Turquia é parte da Otan”.


Do outro lado, um nacionalista de direita, Tayyip Erdogan, que busca para seu país mais independência de movimentos, evitando alinhamentos automáticos, aproximando-se de Rússia e China (a Turquia, por exemplo, faz parte da Iniciativa um Cinturão e uma Rota).



A vitória de Erdogan e a geopolítica II


Em julho de 2016 Tayyip Erdogan sofreu uma tentativa de golpe de Estado que, segundo acusações do governo, teria como líder político um turco que vive em exílio voluntário nos EUA, o clérigo muçulmano Fethullah Gülen. Comenta-se que Vladimir Putin, avisado pela inteligência russa das movimentações golpistas em parte das Forças Armadas turcas, ligou para alertar Erdogan que, assim, pôde agir a tempo e debelar o golpe. Sendo ou não verdade esta versão, dois fatos chamam a atenção: primeira, derrotada a intentona, a Turquia exigiu dos EUA a deportação de Fethullah Gülen, o que jamais foi feito; segunda, apenas 26 dias depois da tentativa de golpe, Erdogan volta a fazer uma viagem internacional e vai em primeiro lugar a Moscou onde agradece ao presidente russo pelo apoio contra a insurreição, o que foi amplamente noticiado na época.


A partir daí, a Turquia vem aprofundando uma diretiva que une pragmatismo e equilíbrio. Na atual crise desencadeada pela Operação Especial Militar russa na Ucrânia, a Turquia não se perfilou ao lado da demonização da Federação Russa, condenou as sanções como infrutíferas e ao mesmo tempo retomou contato com a Síria visando o restabelecimento de relações diplomáticas, o que provocou críticas de Washington.



A vitória de Erdogan e a geopolítica III


Nestas eleições, os EUA claramente trabalharam pela vitória de Kilicdaroglu, o que provocou reações fortes. No último dia 19 de abril, o Ministro do Interior Turco, Suleyman Soylu, disse simplesmente que a hegemonia ocidental não existe mais, que Washington está perdendo credibilidade global e que “o mundo inteiro odeia os Estados Unidos”. Estas fortes declarações não foram desmentidas ou suavizadas por pronunciamentos posteriores como costuma acontecer nestes casos. Durante o processo eleitoral, este mesmo ministro declarou à rede CNN Turk que “os EUA estão interferindo nesta eleição contra Erdogan (…). Todos já sabem disso neste país, o próprio presidente dos Estados Unidos está declarando isso. O sr. Biden ativou seu pessoal na Turquia nos últimos dias”. Desta feita, não só não houve desmentido como o próprio Erdogan reforçou a acusação no dia seguinte. Uma leitura sobre a vitória de Erdogan na mídia hegemônica em geral revela, ao cabo, um diagnóstico: venceu a autocracia. Caso houvesse uma vitória de Kemal Kilicdaroglu esta fulgurante palavra, “autocracia”, teria simplesmente sumido dos textos e em um passe de mágica a Turquia passaria de “autocracia” para “democracia”, relevando a superficialidade de um rótulo que é usado pela mídia ligada ao imperialismo somente de acordo com conveniências políticas. Enfim, diante das alternativas postas, a vitória de Erdogan é uma boa notícia, pois tudo que ajude a dividir, erodir e, portanto, enfraquecer a influência do imperialismo é uma boa notícia para os povos do mundo que lutam por soberania e desenvolvimento com justiça social.


 

Wevergton Brito Jornalista, é vice-presidente nacional do Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade ao Povos e Luta pela Paz).


As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil



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