Um ano depois do atentado do 7 de Outubro o que aconteceu com a união das esquerdas francesas? Assim como Judith Butler e Rui Costa Pimenta, o líder francês do partido França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, não condenou e nem considerou terrorista o ataque do Hamas, “mas uma ofensiva armada das forças palestinas”. A união Nupes, Nova União popular ecológica e social das esquerdas, implodiu.
Por Rui Martins, editor do direto da Redação
Um ano depois, aumentou o antissemitismo.
Só em junho deste ano, com a dissolução da Assembléia Nacional francesa, os líderes de esquerda voltaram a se reunir e acabaram disputando juntos a eleição para o novo Parlamento. Entretanto, permaneceu a rachadura criada pelo apoio de Mélenchon ao Hamas e a resistência dos ecologistas e socialistas contra sua indicação a primeiro-ministro.
A reação de Israel ao ataque, considerada excessiva pela imprensa em geral, foi mudando a posição dos envolvidos – Israel foi deixando de ser vítima para ser considerado agressor. Com o decorrer dos meses, a causa palestina passou a ser confundida com o movimento Hamas, mesmo pelos que defendem dois Estados na região, numa contradição pouco percebida.
Ao contrário do movimento palestino Fatha, sucessor da OLP criada por Yasser Arafat, o Hamas é contra a solução Dois Estados e seu objetivo principal desde sua criação é a Destruição de Israel. Essa é a única consonância existente entre Hamas e Israel, pois o governo de Israel, a extrema-direita e os ultra-ortodoxos isrelenses também não apoiam a criação de um Estado palestino.
Ainda no começo da reação israelense ao Hamas com seus ataques destruidores a Gaza, envolvendo a população, houve dois cessar-fogo com troca de reféns. Entretanto, a partir de um certo momento, o Hamas deixou de facilitar as negociações feitas com Israel no Catar, mesmo porque Israel, sujeito às pressões dos familiares dos reféns e parte da população, queria a devolução de todos os reféns. Ao mesmo tempo, o crescente número de mortos nos ataques de Israel a Gaza, favorecia o apoio aos palestinos e indiretamente ao Hamas, provocando o retorno do antissemitismo.
Para diminuir o impacto negativo do Hamas, se fortaleceu um movimento negacionista com relação aos crimes cometidos pelo Hamas durante o ataque do 7 de Outubro. Breno Altman, no canal Opera Mundi, afirma haver um vídeo justamente da Al Jazeera mostrando isso. Paralelamente, o Tribunal de Justiça Internacional condenou Israel por genocide, enquanto um inquérito da ONU acusa Israel de cometer crimes de guerra. E a África do Sul acusa Israel de apartheid.
Do lado do Hamas, a Suíça considera o movimento como terrorista e o Parlamento reduziu, e poderá anular, as subvenções concedidas à ação da ONU junto aos palestinos, UNRWA, sob a acusação de haver um grande infiltração do Hamas nessa entidade de ajuda onusiana.
Muitos acusam o primeiro-ministro Netanyahu de ter destruído Gaza para compensar a falha do seu serviço de informação, que não detetou o ataque do Hamas, e assim evitar uma destituição do cargo. Atualmente, com a liquidação dos líderes do Hamas e do Hezbollah, Netanyahou ganhou o apoio da população e não se baseia apenas nos ultra-ortodoxos.
O professor Sciences Po, Paris, escritor e ensaísta Gilles Kepel, acaba de lançar um novo livro, dedicado justamente às consequências do 7 de Outubro, Le Bouleversement du Monde. Grande conhecedor do Oriente Médio, mesmo porque aprendeu ainda jovem o árabe, Kepel, que tem alertado quanto à islamização do pensamento de esquerda, vê a possibilidade de grandes mudanças na região.
Para ele, isso pode ocorrer no Irã, onde o dirigente aiatolá Khamenei, idoso, iria ser sucedido pelo ex-presidente Ebrahim Raisi, defensor rigoroso da teocracia islâmica, morto num estranho acidente de helicóptero no retorno de uma viagem. O Irã, com sua cultura e tradição persa, na expectativa de uma resposta de Israel aos recentes ataques, talvez viva momentos de instabilidade, argumenta Kepel.
A resposta de Israel aos ataques do Irã seria principalmente a de destruir ou de esfacelar o Hezbollah, criação iraniana, para multiplicar as contradições internas iranianas, onde o próprio serviço de informação estaria contaminado. Dentro dessa lógica, Israel não atacaria nem as instalações nucleares e nem o Irã diretamente, a fim de evitar um conflito maior. Mas estaria apostando num esfacelamento interno do Irã, ou seja da estrutura teocrática do país, para evitar que Khamenei e seus seguidores provoquem a destruição do país.
Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.