A legislação estabelece que o tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes "deverá ser realizado em seu melhor interesse" e somente mediante o "consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal".
Por Redação, com Brasil de Fato - de Brasília
Um relatório da Human Rights Watch (HRW) publicado no último domingo mostrou que sites educacionais brasileiros vigiaram crianças e adolescentes, coletaram seus dados pessoais e enviaram as informações para empresas terceirizadas. Duas dessas páginas, inclusive, foram desenvolvidas pelos Estados de Minas Gerais e São Paulo.
As plataformas Estude em Casa, Centro de Mídias da Educação de São Paulo, Descomplica, Escola Mais, Explicaê, MangaHigh e Stoodi "não apenas monitoraram os estudantes dentro de suas salas de aula virtuais, mas também os acompanharam enquanto navegavam pela Internet, fora do horário de aula, mergulhando profundamente em suas vidas privadas", descreve o relatório.
O Estude em Casa, que agora é chamado de "Se Liga na Educação", foi desenvolvido pela Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais e o Centro de Mídias da Educação de São Paulo, pela Secretaria Estadual de Educação paulista. De acordo com o relatório, as secretarias autorizaram a utilização desses sites por empresas terceirizadas de publicidade desde a pandemia de covid-19.
Segundo a advogada Flávia Lefèvre, especialista em direitos digitais, a transferência de dados de crianças e adolescentes nesses casos viola frontalmente a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
A legislação estabelece que o tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes "deverá ser realizado em seu melhor interesse" e somente mediante o "consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal". A lei também é explícita ao prever que as empresas que coletam os dados têm a obrigação de deixar transparente os tipos de dados coletados e a forma de sua utilização.
Nesse sentido, Lefèvre considera o cenário levantado pela Human Rights Watch "gravíssimo". "Eles não podem coletar esses dados sem o devido consentimento, porque a gente está falando de dados de criança e adolescente. Não pode simplesmente coletar e transferir principalmente para empresas de publicidade. Isso é altamente irregular", afirma.
– Isso vulnerabiliza criança e adolescente por dois lados. Primeiro, quando não respeitam os requisitos mínimos para fazer a coleta e o tratamento de dados. Depois, quando esses dados vão ser utilizados para explorar a vulnerabilidade das crianças e adolescentes, quando se oferecem produtos e serviços com base do uso ilegal desses dados – defende Lefèvre.
Publicidade comportamental
Todos as páginas educacionais coletaram quantidades expressivas de dados de crianças e adolescentes e os enviaram para empresas especializadas em publicidade comportamental. Essas empresas utilizam técnicas que permitem desenhar um padrão de usuário, a partir do qual pode-se qualificar o que essa pessoa provavelmente fará. Geralmente, essas ferramentas são usadas para direcionar conteúdos e anúncios específicos para determinados grupos de crianças e adolescentes.
O relatório mostrou que cinco sites teriam utilizado ferramentas "de forma invisível e de maneiras impossíveis de se evitar ou se proteger". O site Escola Mais, por exemplo, utiliza a técnica de "gravação de sessão", que permite a terceiros assistirem e registrarem o comportamento de um usuário, incluindo cliques e movimentos em sites.
– Essas informações podem ser analisadas para adivinhar as características e interesses pessoais de uma criança e prever o que uma criança pode fazer a seguir e como ela pode ser influenciada. Alguns sites coletaram informações pessoais que uma criança digitou em um formulário, como nomes, números de telefone, endereços de e-mail e seu nível de escolaridade na escola, mesmo antes de a criança clicar em enviar – explicou a pesquisadora de direitos das crianças e tecnologia da HRW, Hye Jung Han.
"A criação de perfis, o direcionamento e a publicidade para crianças e adolescentes nestes moldes violam de forma inadmissível sua privacidade, pois não são ações proporcionais ou necessárias para que esses sites funcionem ou forneçam conteúdo educacional", destaca o relatório. "Estas ações também podem violar outros direitos de crianças e adolescentes se essas informações forem usadas para orientá-las em direção a consequências prejudiciais ou contrárias aos seus interesses."
Após a divulgação das informações, a Secretaria de Educação de Minas Gerais informou que removeu o rastreamento de dados do site. A Escola Mais, por sua vez, disse que "não vende e nem repassa dados de alunos a terceiros, ao contrário do que aponta o relatório". As outras empresas, incluindo o governo de São Paulo, não responderam aos questionamentos da HRW.